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terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Submissão

A minha opinião:
"... só a literatura nos pode dar aquela sensação de contacto com outro espírito humano, com a totalidade desse espírito, com as suas fraquezas e grandezas, as suas limitações, mediocridades, ideias fixas, as suas crenças; com tudo aquilo que o emociona, lhe interessa, o excita ou lhe repugna.
... gostar de um livro é antes de mais gostar do seu autor, desejar estar com ele, ter vontade de passar os dias na sua companhia." (pag. 13) 

Este livro já me passou pelas mãos algumas vezes e nunca o quis ler, mas bastou abrir nas primeiras páginas para ficar logo agarrada. Incrível!

François é um bem humorado cínico que analisa a sua vida e a sociedade  como o professor universitário que é, apesar do desapego com que parece lidar com todos os factos, mesmo os mais significativos nesta era futurista de 2022. Este romance é de 2017 e o que me surpreendeu deveras foi usar as mesmas figuras políticas neste novo enquadramento onde há uma ameaça de guerra civil depois de umas eleições presidenciais em que a Fraternidade Muçulmana se afirma no poder e um novo paradigma politico-social sucede à alternância democrática. Enfim... a submissão da França a um regime islâmico. 

O papel da mulher com o regresso ao lar sem uma carreira viável em que a poligamia era comum não é algo que veja com bons olhos e as restantes alterações no ensino, na segurança social, na economia, como uma oligarquia em que o dinheiro do petróleo apagava qualquer veleidade para que o poder apenas mudasse de mãos. A submissão da mulher aparece descrita em vários episódios, inclusive de cariz sexual.  

Gostei muito de ler este bem escrito romance que apesar de me inquietar me leva a algumas reflexões. Normalmente são que esses que não se esquecem.


Autor: Michel Houellebecq
Páginas: 310
Editora: Alfaguara
ISBN: 9789898775276
Edição: 2018/ novembro

Sinopse:
Paris, 2022: François, investigador universitário, cumpre desapaixonadamente o ofício do ensino enquanto leva uma vida calma e impermeável a grandes dramas, uma rotina de quarentão apenas ocasionalmente inflamada pelos relacionamentos passageiros com mulheres cada vez mais jovens. É também com indiferença que vai acompanhando os acontecimentos políticos do seu país.
Às portas das eleições presidenciais, a França está dividida. O recém-criado partido da Fraternidade Muçulmana conquista cada vez mais simpatizantes, graças ao seu carismático líder, numa disputa directa com a Frente Nacional. O país obcecado por reality shows e celebridades acorda por fim e toma de assalto as ruas de Paris: somam-se os tumultos, os carros incendiados, as mesas de voto destruídas. Afastado da universidade pela nova direcção, deprimido, François retira-se no campo, onde espera deixar de sentir as ondas de choque da capital. Regressa a Paris poucos dias depois do desfecho eleitoral e encontra um país que já não reconhece. É tempo de questionar-se sobre se deve e pode submeter-se à nova ordem.
Submissão convida a uma reflexão sobre o convívio e conflito entre culturas e religiões, sobre a relação entre Ocidente e Oriente, sobre a relação entre cidadãos e instituições. Um romance que, como é habitual na obra do autor, adianta-se ao seu tempo e coloca questões prementes, hoje mais relevantes do que nunca. Michel Houellebecq confirma-se nestas páginas como um pensador temerário, capaz de detectar as grandes tensões do nosso tempo, interpretando-as com lúcida ironia.
Uma fábula política e moral surpreendente, Submissão é o romance mais visionário e simultaneamente mais realista de Michel Houellebecq.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Chuva miúda

A minha opinião:
Um romance do caraças (desculpem a linguagem) mas esta família é demais. Mas não é única. 

As palavras expõem um conflito familiar em que a raiva e as memórias deixam Aurora como testemunha benévola. O octogenário aniversário da mãe (sogra) leva ao contacto dos irmãos (marido e cunhadas) e é o descalabro. Os telefonemas em que cada uma das mulheres conta versões contraditórias com tortuosos comentários para se chegar ao argumento das suas vidas. O espanto não se faz esperar, o que torna esta leitura imparável e viciante. O final é brutal.


"Considerado unanimente pela crítica o melhor livro do ano em Espanha". Sinto-me tentada a concordar porque é um romance forte, pertinente e provocador. Um dos melhores que li... este ano?!

Um romance difícil de esquecer. 

Autor: Luis Landero
Páginas: 240
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03275-1
Edição: 2020/ fevereiro

Sinopse:
Gabriel decide celebrar o octogésimo aniversário da mãe e, para isso, terá de contactar as irmãs a fim de reunir a família para a feliz ocasião. Todavia, estes telefonemas entre irmãos despertam rancores antigos, relembram erros do passado e põem em confronto diferentes visões do mesmo episódio. Aurora, a discreta mulher de Gabriel, é a confidente pela qual passam todas as histórias que durante anos estiveram guardadas no mais fundo de cada uma das personagens.
Chuva Miúda é um romance poderoso sobre a família - com os seus segredos e rancores -, mas também sobre a memória e a forma como o mesmo momento é lido e lembrado por todos aqueles que o viveram.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O Retorno

A minha opinião:
Muita gente já leu este livro e eu há muito que o tinha por ler. Sabia que era sobre os Retornados, um termo que definiu os portugueses que tiveram que regressar das ex-colónias, muitos deles em fuga, sem nada ou quase nada trazer. Histórias que ouvi, de boca em boca. 

Rui é o adolescente que conta a história da sua família. Brilhante. A mente jovem é observadora, analítica e critíca. Nada fica por dizer numa escrita irreprensível e extraordinária. Uma espécie de ladaínha. Afinal, Rui pensa e sente muitas coisas ao mesmo tempo. 

A vida de antes quando o retorno era já uma certeza que adiaram concretizar. As ilusões, a cabeça fraca da mãe, a prisão do pai, a fuga, as condições em que foram instalados à espera, a hipocrisia dos parentes, o preconceito e o receio que o retorno deles tirasse mais do pouco que tinham da metrópole. Rui era um jovem que num ano de espera se tornou um homem. 

Todos os que já leram sabem, este é um romance cinco estrelas. 

Autor: Dulce Maria Cardoso
Páginas: 276
Editora: Edições Asa
ISBN: 9789896711160
Edição: 2012/ março

Sinopse:
Plano Nacional de Leitura Livro recomendado para alunos do Ensino Secundário, como sugestão de leitura. Também recomendado para a Formação de Adultos, como sugestão de leitura.

1975, Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras. Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos nao têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles. 1975. Lisboa. Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia. A adolescência torna-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança. África sempre presente mas cada vez mais longe.

Os Otimistas

A minha opinião:
Otimistas e livres. Uma geração que saía do armário e não desperdiçava a vida. Boystown em Chicago foi a primeira "aldeia" gay oficialmente reconhecida nos EUA. Em 1985, quando a história começa a SIDA alastra entre um grupo de amigos. Yale é o narrador. 
Fiona, a irmã da primeira vitima deste grupo é protagonista em 2015 numa demanda angustiada pela filha e pela neta, e confronta-se com as sequelas que ainda se faziam sentir. 

Mais interessante do que apaixonante pela narrativa lenta e pelo teor das relações marcadas pelo cíume e inconstância. A doença altera o modo de vida desta comunidade. A morte em massa por negligência e antipatia tornaram a SIDA em homicídio. Ou uma guerra em que se perdia a vida no auge e tudo mudava para os que ficavam. Um romance sobre a juventude perdida, que não correspondeu às minhas expectativas. 

Autor: Rebecca Makkai
Páginas: 576
Editora: Edições Asa
ISBN: 9789892346076
Edição: 2019/ setembro

Sinopse:
Numa tarde de novembro de 1985, um grupo de amigos reúne-se em Chicago. Bebem cubas-libres ao som de Fly Me to the Moon num ambiente de celebração forçada. Pois Nico morreu. Nico era brilhante e belo. Flores e lágrimas não lhe farão justiça.

A missa fúnebre decorre numa igreja a trinta quilómetros de distância. Apenas a família - que o abandonara anos antes - está presente. É uma cerimónia breve marcada pelo constrangimento.

Jovem e gay, Nico é uma das primeiras vítimas que o vírus da SIDA faz no seu círculo de amigos. Um dos mais próximos, Yale Tishman, acompanhou-o até ao fim e vive agora entre o medo da doença e a urgência de construir um futuro. Mas enquanto a sua carreira floresce, a sua vida pessoal vai ficando cada vez mais limitada. Um a um, Tishman vê os amigos perderem a vida. Até restar apenas Fiona, irmã mais nova de Nico.

Trinta anos mais tarde, reencontramos Fiona, agora em Paris.
Alojada em casa de um velho amigo, Richard Campo, um fotógrafo que documentou de perto a epidemia de Chicago, Fiona relembra a sua juventude. A sua capacidade de amar - a filha que entretanto teve, o marido que abandonou, os amigos que sobreviveram - foi modelada por esses anos.
Todos se afastaram, deixando-a só para enfrentar as consequências de três décadas ensombradas pela perda.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A Última Vez que te Vi

A minha opinião:
Depois de ler A Cosnpiração da Sra. Parrish não resisti ao novo thriller desta dupla de irmãs que assinam sob o pseudónimo de Liv Constantine. O começo não desmereceu a minha expectativa. 

Kate e Blaire, duas grandes amigas que se tinham afastado durante quinze anos, para se reencontrarem aquando do homicídio da admirável e invejada mãe de Kate.
Blaire que sempre gostou de estudar as pessoas e por isso, se tornou escritora, observou o panorama e começou a juntar as peças. E mais, não conto... porque seria revelar demais deste thriller muito ao jeito de Liane Moriarty.

O que posso acrescentar é que a ação se passa num ambiente de glamour e sofisticação que só é possível a uma minoria de priveligiados. Um mundo de milionários. O que de tão distanciado, tem o seu fascínio.  Ainda assim, somos transportados para o convívio desta família e acompanhamos a sua interação e o aumento da tensão, bem como as suspeitas das protagonistas, com os diálogos e fáceis e a narrativa corrida.

O volte-face que tanto ansiava demorou e não foi tão intenso ou surpreendente quanto desejava. Acho que reconheci o estilo de Liv Constantine. Apesar disso, li compulsivamente este thriller. 

Autor: Liv Constantine
Páginas: 336
Editora: HARPER COLLINS
ISBN: 9788491394532
Edição: 2020/ fevereiro

Sinopse:
Segredos, mentiras, traição… e homicídio.

A doutora Kate Englishtem tudo. Não só é herdeira de uma enorme fortuna como ainda tem um marido bonito e uma filha lindíssima, uma carreira de sucesso e uma belíssima mansão de fazer inveja a qualquer um.
Mas tudo isso está prestes a mudar. Numa noite, a mãe de Kate é encontrada morta, assassinada na sua própria casa. A seguir, Kate recebe uma mensagem: se achas que agora estás triste, espera e vais ver…
Evidentemente, nem tudo o que parece é na alta sociedade de Baltimore e à medida que os escândalos, infidelidades e traições são expostos, a tensão aumenta sem precedentes. O assassino pode ser qualquer um: um amigo, um vizinho, a pessoa amada, um familiar. E a Kate é a próxima na lista.

Anne das Empenas Verdes

A minha opinião:
Uma criança solitária, sem amigos e de coração esfomeado, assim é a orfã Anne das Empenas Verdes na bela ilha do Princípe Eduardo.

Um romance cândido e enternecedor que remonta aos grandes clássicos, ou não tivesse sido o original publicado em 1908. Anne é uma personagem do seu tempo e ainda assim intemporal porque é inesquecível.

Inteligente, tagarela, de imaginação delirante, é uma excelente companhia. Um bálsamo para as amarguras da vida porque os prazeres e os sofrimentos tocam-na com intensidade tripla enquanto o leitor rejubila com este romance precioso.

Autor: L. M. Montgomery
Páginas: 368
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789896417161
Edição: 2017/ abril

Sinopse:
Lucy Maud Montgomery nasceu no Canada, na Ilha Prince Edward, em 1874. Depois da morte da mãe, ocorrida quando tinha apenas dois anos, foi criada pelos avós maternos. Registos biográficos sugerem que era uma criança solitária e que teve uma educação rigorosa.
Mais tarde trabalhou vários anos como professora antes de se aventurar no jornalismo e, finalmente, na escrita de ficção.
Quando em 1905 terminou Anne das Empenas Verdes, Lucy Montgomery teve bastante dificuldade em encontrar uma editora interessada no livro. Só em 1908 a autora conseguiu finalmente ver publicado na Company of Boston o primeiro e aquele que viria a ser o seu mais famoso livro.
Ao criar a personagem de Anne, Lucy Montgomery deu ao mundo da ficção clássica uma das suas mais importantes heroínas.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

As aves não têm céu



A minha opinião:
Estava empolgadíssima por ler este romance. A sinopse prometia... mexer com as emoções. O tipo de romance que nem sempre consigo ler. A morte de uma filha é avassalador. E a culpa associada, devastador. 

Neste romance lidamos com esta tragédia de Leto. Mas não apenas. Outras personagens entram e surpreendem numa história que não é corrida, nem simples, escrita de forma a que as palavras marquem em capítulos curtos, preenchido com figuras de estilo. 
Profundamente diferente. A dor como nunca a tinha lido. 

Autor: Ricardo Fonseca Mota
Páginas: 184
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03192-1
Edição: 2020/ janeiro

Sinopse:
Um homem vagueia pelas noites insones, revisitando o passado e a culpa que lhe vai consumindo os dias. A mulher trocou-o por outro e levou consigo a sua única filha, ainda pequena. Na semana de férias em que finalmente pode estar com ela, sofrem um acidente de viação que resulta na morte da filha.
A culpa e o passado cruzam-se neste romance feito de gente que vive no escuro, como o taxista que várias vezes apanha este pai e o transporta pela cidade silenciosa, e os dois companheiros com quem desde a morte da filha partilha o espaço.

Vencedor do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2015, Ricardo Fonseca Mota regressa à ficção com As aves não têm céu, um romance lírico que vem dar voz às sombras que se escondem nos recantos mais obscuros da alma humana.