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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Os Doentes do Doutor García

A minha opinião:
Intimida nas suas mais de setecentas páginas mas não devia. Quem ousar abrir este livro vai ter uma grata surpresa porque a dimensão da letra, a narrativa e as duas personagens antagónicas que se atraem e as duas que estabalecem uma profunda amizade e cumplicidade não permitem uma leitura demorada. Muito pelo contrário. Uma excelente história de uma autora que eu desconhecia. Aliás, pensava que era um autor (que idiota) e não iria ler se não fosse desafiada por amigas confinadas e viciadas em bons livros.

A escrita poderosa de Almudena Grandes e as personagens incríveis que recria para um período tenebroso, baseado em factos reais, resulta numa narrativa assombrosa. As personagens são tão realistas que a empatia por elas é completa e fazem do leitor uma testemunha absorta. O protagonista é uma espécie de herói dos anos quarenta. Um médico criado por um avô castiço e republicano, que honrou os seus princípios. Um homem que foi um espião, apoiado pelo seu melhor amigo, que salvou como médico clandestino. Um homem que cooperou com a organização Stauffer que auxiliava criminosos de guerra nazis a fugir com o apoio de Franco, do patriarcado e dos Perón. Um homem que mudou de identidade e até assassinou um homem mas nunca perdeu a integridade. 

Este romance é soberbo. Bom quanto o Pátria de Fernando Aramburu que, li há algum tempo e retrata outros acontecimentos históricos mas num outro prisma. A perspectiva do individuo para o lugar da História e gradualmente muda o prisma e o tempo e o lugar ganham impacto, sem mesmo perder o fôlego e a força. Uma grande narrativa que conclui com sucesso. Manolo, outra personagem fundamental fecha com chave de ouro. 

Que incrivel surpresa. Não era nada disto que eu esperava! Foi muito mais!
Nem sabem o bem que nos faz.

Autor: Almudena Grandes
Páginas: 752
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03328-4
Edição: 2020/ novembro

Sinopse: 
Depois da vitória de Franco na Guerra Civil Espanhola, o Doutor Guillermo García Medina continua a viver em Madrid sob uma falsa identidade, a mesma que o salvou de ser fuzilado e que foi um presente de Manuel Arroyo Benítez, um diplomata republicano a quem salvara a vida uns anos antes. Julgando que nunca mais o veria, acaba por encontrar-se com Manuel em 1946, deixando-se recrutar para uma missão secreta e muito perigosa: a de se infiltrar na rede clandestina de evasão de criminosos de guerra fugidos do Terceiro Reich para a Argentina, dirigida por Clara Stauffer, uma poderosa mulher de nacionalidade alemã e espanhola, a partir do pacato bairro de Argüelles.
Ao mesmo tempo thriller e romance de espionagem, Os Doentes do Doutor García é uma emocionante história que parte de acontecimentos reais pouco conhecidos sobre a Segunda Guerra Mundial e o franquismo para construir personagens que representam e evocam um dos momentos históricos mais difíceis do século passado.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O Pequeno Caderno das Grandes Verdades

A minha opinião:
Li rápidamente e não desiludiu. Superou largamente as minhas expectativas.
Uma leitura leve e tão prazerosa. Enriquecedora também.

Três perguntas num banal caderno de exercícios que tem como título "Projecto de Autenticidade": Até que ponto conhece as pessoas que moram perto de si? Até que ponto eles o conhecem? Sabe ao menos o nome dos seus vizinhos?

O autor, um velhote, que fora uma celebridade no mundo das artes respondeu a estas três perguntas e descreveu a sua triste vida e lançou o repto para quem encontrasse o caderno fosse autêntico. E o caderno foi circulando, umas vezes, deliberadamente mas outras acidentalmente e este é preâmbulo de uma história leve mas muito calorosa, com uma galeria de personnagens que acarinhamos. Um livro perfeito para esta fase que vivemos. Um livro que entretêm, emociona, diverte e ainda nos faz reflectir um pouco porque uma ou outra destas circunstâncias/"projectos" podem tocar no leitor. 

Ademais, este romance foi muito pessoal para a autora e nota-se. Como ela própria descobriu, dizer a verdade sobre a nossa vida pode produzir magia e mudar a vida de muitas outras pessoas para melhor.

Um romance maravilhoso.

Autor: Clare Pooley
Páginas: 372
Editora: Editorial Planeta
ISBN: 9789897774010
Edição: 2020/ julho

Sinopse: 
Seis desconhecidos que têm em comum algo de universal: as suas vidas nem sempre são o que eles fazem parecer. O que aconteceria se em vez disso dissessem a verdade?


Julian Jessop está cansado de esconder a profunda solidão que sente. Este septuagenário acredita que a maioria das pessoas não é verdadeira acerca da sua vida. E se fossem? Decide então iniciar O Projeto da Autenticidade: um pequeno caderno verde, onde escreve a verdade sobre a sua própria vida, e que deixa pousado em cima de uma mesa do simpático café do seu bairro...


Mónica, a proprietária do café, encontra-o e resolve acrescentar a sua história e deixar o caderno num bar de vinhos do outro lado da rua. Aos poucos quem encontra o caderno verde vai acrescentando as suas verdades mais profundas. Um gesto que vai alterar para sempre, as suas vidas.


O excêntrico Julian, Monica, Hazard, o alcoólico que promete ficar sóbrio, Riley, Alice, a mãe influencer, que tem uma vida um pouco menos fabulosa do que aparece online, e Lizzie. Seis desconhecidos que se unem através do pequeno caderno verde; seis vidas que descobrem o poder da amizade e do amor.


Pequeno Caderno das Grandes Verdades é um livro divertido, inspirador e comovente, que nos mostra que sermos honestos acerca da nossa vida não é assim tão assustador, pelo contrário, assemelha-se muito à verdadeira felicidade.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Femicídio

 

A minha opinião:

Gosto de um bom thriller e os nórdicos são especialistas nisso. Algo sórdido, algo violento mas com base nos gangues, tráfico e crimes, o enredo é bastante credível. As personagens movem-se num meio que está longe de ser o idílio que imaginamos em Estocolmo. O ambiente é gelado e não me refiro apenas o clima. A solidão pesa. As familias também. A trama não se prende com nada disto, "Incels" é um crescente movimento misógino e Tom é o alienado que odeia mulheres. 

Um thriller policial ao melhor nível de Stephen King. Excelentes personagens, boa dinâmida e um enredo de suspense e ação muito viciante. Seria muito bom que tivesse sequência porque a Vanessa, Nicholas, Jasmina e Celine são inesquecíveis. 
O final não desilude. Deixa um gostinho de quero mais.

Autor: Pascal Engman
Páginas: 400
Editora: Saída de Emergência
ISBN: 9789897733703
Edição: 2021/ janeiro

Sinopse: 
Não há mulheres inocentes. Com o feminismo e o movimento #metoo a ganharem força, está a crescer igualmente uma rede digital de homens que odeiam as mulheres. Eles autodenominam-se «Incels», refugiam-se nos recantos mais obscuros da Internet e estão unidos no seu desejo de vingança contra as mulheres que nunca olharam para eles. A norte de stocolmo, uma mulher é encontrada morta no seu apartamento, num ataque brutal que aponta para um único suspeito.

No entanto, quando a detetive Vanessa Frank assume a investigação fica com a sensação de que está em falta um elemento fundamental. Quando a investigação começa a apontar para o possível envolvimento da sinistra rede de Incels nos crimes, Vanessa questiona-se se o ódio destes misóginos os poderá levar a um ataque em massa, imprevisível e num lugar supostamente seguro para as mulheres…

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

As Vingadoras

A minha opinião:
Adoro quando as mulheres vingam os mal feitos.

O primeiro de uma série, em que cada uma de sete mulheres executa a sua vingança com a ajuda das restantes, formando assim uma espécie de irmandade. Não é uma vingança por despeito ou capricho mas uma justa reparação num sistema que nem sempre funciona.

Nos EUA era referido que tinham a melhor justiça que o dinheiro pode pagar. Ora, é exatamente isso que estas mulheres fazem. Com o poder que o dinheiro confere usam-no para o que indevidamente lhes foi subtraído e deste modo recuperar as suas vidas. Gosto desta temática e apesar de não ser tão verossímel li compulsivamente este romance. Um dia bastou.

Algum paralelo com o livro de Camilla Lackberg, Uma gaiola de ouro. 

O clã feminino é muito bom. Gostei destas mulheres. Todas sobressaem.


Autor: Fern Michaels
Páginas: 224
Editora: Marcador
ISBN: 9789897544668
Edição: 2021/ janeiro

Sinopse: 
Hoje, elas começam a lutar...

Aparentemente, as sete mulheres da Irmandade são muito diferentes. no entanto, cada uma teve a sua dose de azar, desde maridos traidores a colegas sexistas e um sistema jurídico que, muitas vezes, não funciona. Agora, unidas pela tragédia, forjam um vínculo que as ajudará a reparar os erros cometidos contra elas e a descobrir uma força interior que não sabiam possuir. Ficando mais ousada a cada ato de justiça, a Irmandade está a aprender que quando coisas más acontecem, uma pessoa pode fingir-se de morta... ou pode levantar-se e lutar.

A vida é injusta. a maioria das mulheres sabe-o, mas o que pode fazer quanto a isso?
Milagres... se pertencerem à Irmandade.

Destroçada pela morte trágica da filha, atropelada por um condutor demente que beneficiou de imunidade diplomática, Myra Rutledge decide formar um círculo secreto: a Irmandade. Este grupo reúne sete mulheres muito diferentes umas das outras, mas que partilham uma cólera nascida dos preconceitos de que são vítimas. Propõem-se fazer justiça pelas próprias mãos... e o fim justifica os meios!

Se na adversidade alguns caem, outros levantam-se e entram em ação… ou vão para a guerra!

A axila de Egon Schiele (poesia reunida 2014-2020)

Com um poema ergo paredes

para definir um espaço interior 

nunca para o fechar. 




Cada um lê no poema
o poema que traz em si.



Para quem não quer ou não pode ler muito, leiam poucochinho mas com sentido e sentir.

Poesia, não obrigada, dizia à toa. Nem sabia o que perdia.

Autor: André Tecedeiro
Páginas: 216
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03326-0
Edição: 2020/ outubro

Sinopse: 
«Tenho defendido que o século pertence às mulheres, ao seu paradigma enfim livre, ou ao menos insubmisso como nunca, fazendo também com que as poetas se tornem muito mais vibrantes do que os poetas recentes. O André Tecedeiro, contudo, comporta uma retumbante excepção. Às voltas com as questões do corpo, muito outras das que foram trabalhadas exaustivamente por grande tempo no século XX, o seu lugar é uma das últimas novidades masculinas no que ao debate poético diz respeito. O homem que Tecedeiro implica é aquele que falta, o que faz falta, o que ainda nos pode ensinar e deslumbrar.
Apela à minha sensibilidade sobretudo o jeito que tem de se estudar sem sucumbir à angústia. Não lhe falta contundência, clareza ou sobriedade, mas não se entrega exactamente a um aparato trágico de efeitos alardes ou exagerados. É um pensador junto à ciência possível. Interessa-lhe conhecer e mudar. Interessa-lhe a arte e a sabedoria, como se estivesse ao pé de educar a própria natureza. Ao pé de educar o corpo.
Considero-o um dos mais importantes poetas portugueses surgidos neste século. Breve e de aparência simples, a sua profundidade é um hipótese de completude. Essa impossível coisa para que, por utopia, tendemos a correr.»
Valter Hugo Mãe

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O que Contamos ao Vento

A minha opinião:
Um romance suave sobre um tema difícil. O que contamos ao vento é sobre uma cabine telefónica num jardim, um telefone desligado através do qual se podia falar com os que se perderam no tsunami de março de 2011. E os que perderam para a doença, num acidente ou até na Segunda Guerra Mundial. As vozes leva-as o vento. 


Lindo este livro. Delicado e tocante. Não apela à compaixão. É um livro sobre esperança. E vulnerabilidade.
Capítulos curtos para sentimentos profundos mas sem pesar. Um processo de libertar que começou no jardim no ventre de Kujira-yama. Um perfeito paradoxo que só se consegue quando se desiste e se encontra outros na mesma situação. E passa-se no Japão, e é real. Não é um local turístico. É um local para reencontros intimos. É um local para quem mais precisa. Um lugar que cada um devia criar para si onde pudesse curar a dor e cicatrizar a vida. 


Poucas personagens para uma lição de vida. Distante da nossa forma de estar mas próximo do amor que todos temos gravado e que nos torna únicos.
Um romance diferente. Algo melancólico mas que vale a pena.

 Autor: Laura Imai Messina
Páginas: 224
Editora: Suma de Letras
ISBN: 9789897841781
Edição: 2021/ janeiro

Sinopse: 
No lado íngreme de Kujira-yama, a Montanha da Baleia, existe um imenso jardim chamado Bell Gardia. No meio há uma cabine, dentro da qual repousa um telefone que não funciona, carregado de vozes sopradas ao vento. De todo o Japão, milhares de pessoas que perderam alguém passam por ali todos os anos e usam o telefone para falar com aqueles que já partiram.
Yui é uma jovem de trinta anos, e 11 de Março de 2011 é a data que a mudou para sempre. Naquele dia, o tsunami varreu o país onde mora, engoliu a sua mãe e a sua filha, tirou-lhe a alegria de estar no mundo.
Ao saber, por acaso, daquele lugar surreal, Yui vai até Bell Gardia e conhece Takeshi, um médico que mora em Tóquio e tem uma filha de quatro anos, que emudeceu no dia em que a mãe morreu. Quando Yui percebe que aquele lugar precioso corre o risco de ser arrasado por um furacão, decide enfrentar o vento, tanto aquele que sacode a Terra como o que levanta a voz de quem já não está presente.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A Lua e as Fogueiras

 

A minha opinião:

Que livro! 
Este ano foi o melhor que li!

"É preciso ter uma terra, mais que não seja pelo gosto de a deixar. Uma terra quer dizer não estar só, saber que nas pessoas, nas plantas, no chão há alguma coisa de nosso, que mesmo quando lá não estamos fica à nossa espera. Mas não é fácil estar lá sossegado. "  (pag.18)

A escrita é sublime e a narrativa é cativante e viciante.

"Que julgas tu? A lua é para todos, como a chuva, como as doenças. Tanto faz viver num buraco como num palácio, o sangue é vermelho em todo o lado. 
- Mas então o que diz o padre, que é pecado?
- É pecado à sexta-feira - dizia o Nuto, limpando os lábios - mas, há os outros seis dias."  (pag.89)

Dois pequenos excertos deste pequeno e magistral romance que são demonstrativos do talento deste autor que vivenciou tantos acontecimentos relevantes do sec. XX e soube transmitir por palavras simples a formação de um homem que correu mundo e vinte anos depois regressou à sua terra e continuou a aprender sobre a natureza e o comportamento humano na companhia do seu melhor amigo. Intemporal. Brutal!

Obrigada Porto Editora. 

Autor: Cesare Pavese
Páginas: 160
Editora: Livros do Brasil
ISBN: 978-989-711-118-1
Edição: 2021/ janeiro

Sinopse: 
Depois de vinte anos emigrado na América, um homem regressa à Itália da sua juventude. Percorre os caminhos da aldeia onde viveu ainda rapaz, atravessa os campos e descobre que à sua volta tudo mudou. Tudo menos a paisagem e Nuto, um velho amigo com quem gosta de falar do passado. Ao seu espírito acorrem as imagens de outros tempos, os primeiros amores, as primeiras experiências de vida, mas entretanto outros acontecimentos intervêm, já não recordações, mas a cega loucura do presente, outros fogos que não são já as fogueiras que os camponeses acendiam, mas incêndios provocados pela raiva ou pelo desespero. Romance que precede em poucos meses o suicídio do autor, em 1950, A Lua e as Fogueiras é uma história sobre a passagem do tempo, as cicatrizes que se acumulam no homem e, em contraponto, a impassibilidade da natureza. Um texto que revela em pleno os talentos de Cesare Pavese.