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domingo, 30 de maio de 2021

A Anomalia

A minha opinião:

Não é um romance convencional. De início, intriga e incentiva a uma leitura compulsiva e esse registo não cessa porque a nossa curiosidade não fica saciada. Começa por apresentar umas quantas personagens e o primeiro é o assassino a soldo. Um profissional. Depois outras se sucedem, distintas vidas, mas entre todas há um elo comum. Uma viagem de avião entre Paris- NY em que foram apanhados numa tremenda tempestade três meses antes que os marcou.

O que decorre disto é uma anomalia. Estapafúrdia mas que o autor conseguiu levar-nos a questionar com cada uma das personagens num desfecho possível. E juízos de valor num ou ou outro contexto onde o fenómeno se dê. Éticos, religiosos, sociais e pessoais. A trama passa-se na era Trump. E muita ironia e subtil critica perpassa. Muito engenhoso e muito bem escrito não deixa de ser brilhante. E mais não conto para não retirar ao leitor o prazer de o descobrir.

Autor: Hervé Le Tellier
Páginas: 280
Editora: Editorial Presença
ISBN: 9789722367165
Edição: 2021/ maio 

Sinopse: 

Em junho de 2021, um acontecimento muito estranho altera a vida de centenas de homens e mulheres, todos passageiros de um voo Paris-Nova Iorque. Entre eles: Blake, pai de família e assassino a soldo; Slimboy, popstar cansado de viver na mentira; Joanna, advogada de topo apanhada nos seus erros; ou Victor Miesel, ghostwriter transformado em autor de culto.

Todos acreditam ter uma vida secreta. Nenhum deles imagina a que ponto isso pode ser verdade. Algo de muito estranho está prestes a acontecer.

A Anomalia é, em simultâneo, page-turner, thriller e um romance literário que explora aquela parte de nós que… nos escapa.

Angoche

A minha opinião:

Uma história criada sobre um Tempo da História, mas que não é um romance histórico.
Angoche era o nome de um petroleiro português que em 1971 teve uma misteriosa viagem em que todos os seus tripulantes e um civil desapareceram. Um sobrinho acompanha o tio no final da sua vida, que muito admira, e fica a conhecer alguns segredos militares e políticos que este retèm. Uma comédia de enganos, como ele bem explica. Reflexões sobre heróis de desastres ultramarinos.

Quatro amigos da formação da Escola Naval fazem parte desta trama. Uma guerra suja subterrânea que faz muitas vitimas e nem um milagre lhes vale. O ofícial de informações que acreditava auxiliar o progresso da humanidade e defender os princípios quando os "doidos do império" destruiram as suas convicções e o seu futuro. Credível. Como a vaidade, a inveja e a mania de grandeza que cega. E por fim, o silêncio cúmplice que cobre os grandes criminosos e os grandes crimes num complexo jogo de interesses e estratégia mas em que tudo ficou esclarecido. 


Autor: Carlos Vale Ferraz
Páginas: 176
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03403-8
Edição: 2021/ maio 

Sinopse: 
Nacala, 23 de abril de 1971. Um navio da Marinha mercante portuguesa parte desse porto moçambicano com destino a Porto Amélia (hoje, Pemba). A bordo leva a tripulação e um civil, num total de vinte e quatro almas, bem como um importante carregamento de material de guerra destinado ao Exército português no Ultramar. No dia seguinte, de madrugada, um petroleiro encontra esse mesmo navio, de seu nome Angoche, à deriva, incendiado e sem ninguém a bordo, como se de um navio-fantasma se tratasse.
De imediato, a PIDE/DGS abre um inquérito. Os relatórios iniciais mencionam duas explosões, e as teorias para o que aconteceu surgem em catadupa. Não faltam presumíveis culpados a quem apontar o dedo, mas não há provas. Para adensar o mistério, na noite do desaparecimento do Angoche, uma portuguesa, que trabalhava num cabaré da cidade da Beira e é tida como amante de um oficial da Marinha, cai de um edifício. Suicídio ou assassinato, as circunstâncias da sua morte nunca são verdadeiramente esclarecidas, e a dúvida paira…
Depois do 25 de Abril, os relatórios da PIDE/DGS desaparecem. A carcaça do navio, ancorado no porto de Lourenço Marques, acaba por ser afundada. Se testemunhas houve, não falam.
Estes são os factos. A partir deles, Carlos Vale Ferraz constrói um romance puramente ficcional, embora essencial e certeiro, sobre moralidade e heroísmo; e onde se demonstra como a imagem de um país se pode construir, não de verdade e justiça, mas da glorificação dos seus mais vergonhosos feitos.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

A Casa

A minha opinião:
Um livro sobre a intimidade num bordel. Mulheres que ninguém quer ver e sobre quem nada se sabe.
Emma decidiu escrever este livro, não por capricho ou extravagância mas porque acha uma necessidade. Uma necssidade peculiar porque durante algum tempo também ela se prostituiu. Uma mulher que se assume libertina e sem temor ou hesitação revela tudo.

Uma prostituta pode não ser necessariamente uma mulher encurralada pela miséria, sexualmente histérica ou alguém privado de todo e qualquer tipo de afeto. Bastar estar farta de labutar para apenas comprar o essencial. E quando há filhos... há mais do que o essencial para adquirir. O que se explica porque desempenham outras profissões, o que também me confundiu um pouco, mas são enfermeiras, professoras, educadoras, num país como a Alemanha onde a prostituição está legalizada. E ainda lhes sobra tempo. Uma reflexão intimista, que não visa chocar mas antes analisar. Até a violência a que se sujeitam. Auto-análise, uma vez que não se trata de ficção. O senão é que é demasiado e torna-se exaustivo. Menos seria mais. Perde-se.

Autor: Emma Becker
Páginas: 344
Editora: Casa das Letras
ISBN: 9789896608354
Edição: 2021/ abril 

Sinopse: 

«Sempre acreditei que escrevia sobre homens. Antes de me aperceber que só escrevo sobre mulheres. Sobre o facto de ser uma. Escrever acerca de prostitutas que são pagas para serem mulheres, que são, de facto, mulheres, que são tão-só isso; escrever sobre a nudez absoluta desta condição é como examinar o meu sexo ao microscópio. Sinto o mesmo fascínio que um laboratorista a contemplar as células essenciais a qualquer forma de vida.»

Em A Casa, Emma Becker descreve a vida no bordel berlinense onde, durante dois anos e meio, sob o pseudónimo de Justine, nome da famosa personagem de Sade, decidiu vender o seu corpo para tentar compreender o mundo da prostituição, as mulheres que nele trabalham e os homens que a ele recorrem.

Retrato da sua vida sexual e amorosa durante esta experiência, das suas companheiras e dos bastidores deste mundo proibido, A Casa é um romance que transborda as paredes do bordel. Mais do que uma história sobre as mulheres desta casa, é sobre o modo como estas veem o mundo, sobre os homens que pagam os seus serviços, sobre os seus desejos, os seus limites, as suas armadilhas, e, acima de tudo, sobre todos os desejos que nos fazem tremer.

A Mão que Mata

A minha opinião:
Tal como o inspector da policia Judiciária, Bruno Saraiva, também eu dou atenção a sensações e percepções quando tenho que tomar uma decisão. A escolha deste livro, depois de ler a sinopse, foi assim e não errei. Adorei. As personagens e o enredo, com o misterioso nevoeiro da Serra de Sintra, onde se vão fazer as partilhas e o crime acontece. 

Bem escrito é verossímil, convincente e não apetece parar de ler ou de acompanhar a equipa que investiga. E vai ter continuidade, o que muito me agrada. Mal posso esperar para os voltar a reencontrar.

Autor: Lourenço Seruya
Páginas: 320
Editora: Cultura Editora
ISBN: 9789899039285
Edição: 2021/ maio

Sinopse: 
Numa fria manhã de inverno, é encontrado um cadáver numa mansão na Serra de Sintra.
A família Ávila estava aí reunida para formalizar as partilhas patrimoniais, na sequência do falecimento do patriarca e jamais imaginava que o processo seria interrompido daquela forma.
O Inspetor Bruno Saraiva e a sua brigada da PJ são chamados a investigar, deparando-se com um caso peculiar: a vítima não era propriamente adorada pelos familiares, mas também ninguém tinha motivos para a querer morta. Terá o homicídio resultado de um assalto?

As opiniões dividem-se e a família Ávila não parece muito disposta a colaborar com a polícia.
Até que é encontrado um segundo cadáver na mansão…

Bruno Saraiva não tem dúvidas que o assassino está naquela casa, mas não tem ninguém que o apoie nesta teoria. Sem provas concretas que sustentem a sua crença, o Inspetor faz uma viagem-relâmpago a uma aldeia do Norte. Aí, toma conhecimento de uma informação que o põe no encalço do assassino: alguém que está disposto a tudo para esconder um terrível segredo.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Quarteto de Havana I

A minha opinião:

Numa pausa li Leonardo Padura que entrou no meu rol de autores a não perder. De nome já o conhecia. 

Mário Conde é o detetive que o consagrou e que está plenamente inserido na melancólica e marginal Havana. Um protagonista que devia ter seguido Letras mas que as voltas do destino o levaram para a polícia porque não gostava que os filhos da p*** ficassem impunes. E o primeiro caso é um desaparecimento, sujeito a equívocos e enganos, ou não fosse um antigo rival. O segundo é um crime violento. 

O café e os charutos não são alheios a esta narrativa marcada pelo ambiente da ilha no tempo da Revolução. E os amigos do Pré em reminescências nostálgicas de um protagonista triste e muito humano. A escrita deste romance policial é apurada e eficaz. 

"Horror do passado, medo do futuro, é assim que correm em direção ao dia as noites do polícia. ... Por isso a solidão do polícia é a mais temível das solidões: é a companhia dos seus fantasmas, das suas dores, das suas culpas..." (pag. 235) 

Um romance policial que não é trepidante e que vive muito da alma de Mário Conde e da relação profissional com o Sargento Manuel Palacios. 

Autor: Leonardo Padura
Páginas: 412
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03397-0
Edição: 2021/ maio

Sinopse: 


No primeiro fim de semana de 1989, durante uma dura ressaca alcoólica, Mario Conde é acordado pelo toque do telefone. Do outro lado, o seu chefe na Central atribui-lhe uma missão urgente: descobrir o que aconteceu a Rafael Morín, um homem com uma carreira brilhante, um futuro promissor e um passado aparentemente perfeito, que está em parte incerta desde o dia de Ano Novo. O que o chefe não sabe é que o desaparecido é um dos antigos colegas de escola de Conde, e que o seu envolvimento neste caso o fará reviver antigos amores com Tamara, a esposa de Rafael Morín.

Em Ventos de Quaresma, Mario Conde é chamado para resolver o estranho homicídio de uma exemplar professora de Química do Pré-universitário que, anos antes, também ele frequentou. Ao mesmo tempo, conhece Karina, uma sedutora amante de jazz por quem se perde de amores. E assim, entre os quentes ventos do sul e uma paixão inesperada, Mario Conde vive dias marcados pela decadência moral, o tráfico de influências, a fraude e o consumo de drogas, mas também pela divertida e nostálgica lembrança dos tempos de juventude.
Um Passado Perfeito e Ventos de Quaresma, protagonizados pelo inigualável tenente Mario Conde, compõem o primeiro volume de Quarteto de Havana, no qual Leonardo Padura, com mestria e humor, transporta os leitores para as ruas, os cheiros e os sabores de Cuba.

terça-feira, 11 de maio de 2021

Heather, Absolutamente

A minha opinião:

A publicidade de algumas críticas literárias é absolutamente merecida, nomeadamente neste romance, em que tal me chamou a atenção. Distraída, não reparei na dimensão deste livro que tem apenas 150 páginas e não precisa de mais. Perfeito assim.

Duas estórias diametralmente opostas se passam em NY. Rica, priveligiada e amada a de Heather e a de Bobby, miserável em todos os aspectos, sendo filho de uma mãe viciada e alcóolatra. A narrativa linear e comedida cinge-se ao essencial do que rodeia a vida destas personagens mas revela contornos sociais e psicológicos ambíguos, nestas duas personagens que fatalmente se irão cruzar. Os pais de Heather são fundamentais na trama. E ao longo de toda a narrativa um arrepio ou estremecimento nos percorre, sendo improvável que consiga parar de ler até ao final que não deixa de surpreender.

Autor: Matthew Weiner
Páginas: 152
Editora: Casa das Letras
ISBN: 9789897801501
Edição: 2021/ maio

Sinopse: 

A família Breakstone vive num idílio de riqueza e status à volta da filha Heather, e tudo parece correr bem: bonita, compassiva e fascinante, ela é a maior bênção da vida de luxo que têm em Manhattan. Mas à medida que Heather cresce - e que o seu brilho atrai cada vez mais um interesse sombrio - a existência perfeita da família começa a fragmentar-se.

Quando os novos vizinhos do andar de cima começam as obras de remodelação da penthouse, um estranho instável, criado na pobreza e na violência, invade a segurança das suas vidas confortáveis, ameaçando destruir tudo o que criaram.

Heather, Absolutamente é um romance deslumbrante e tenso que revela na perfeição o olho clínico de Matthew Weiner para as qualidades humanas que unem e separam a sociedade moderna.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio

A minha opinião:

Não sei o que esperava mas não era certamente este tipo de romance. A estória que se cruza com a arte através do Riijksmuseum é inesperada na voz de uma criança. Leo ama os pais mas não o companheiro do pai e está zangado e pretende fugir. A contagem dos dias é decrescente. A escrita soberba embeleza uma trama amarga. De dor, de abandono, de solidão, de rejeição e de loucura, porque se pode enlouquecer de dor. E apesar do quão duro é interpretar este romance é impossivel não o admirar. As personagens riquissimas num cenário invulgar que varia entre Amesterdão e o interior de Portugal quando Mário (o pai) regressa à casa de infância e resgata a mãe de um dilúvio. Exaltados sentimentos neste romance, em que se confunde verdade e mentira, sonho e fantasia com uma separação filial feita de saudade.

Atreve-te lá agora a distinguir o mau do pior e o bem do que até que enfim. Passado, presente e o futuro que houvesse, viajavam no caudal de um rio sem margens onde a vida se ordenasse. E em vinte e um dias e meio... a água aquietou-se e por fim alcançaram o destino que aguardavam.

Autor: Julieta Monginho
Páginas: 180
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03222-5
Edição: 2021/ abril

Sinopse: 
Um dia – na realidade, num somatório de dias –, uma criança decide empreender uma viagem. A ideia é fugir de uma vez por todas: já não lhe bastam as visitas periódicas ao Rijksmuseum de Amsterdão para brincar com o cão Puck, em exibição na sala 1.15, ou as escapadelas ao moinho do outro lado da casa amarela. A braços com uma família disfuncional assente num triângulo desamorável formado por foragidos – do amor, do talento, dos traumas de uma infância reprimida e passada no Portugal rural –, a fuga de Leo é quase um imperativo moral, uma imposição hereditária. Do outro lado da fuga, o dilúvio, o mais universal dos mitos, oferece às personagens, vítimas da lógica e dos paradoxos das suas vidas, e a nós, leitores, essa possibilidade de, purificando a humanidade, abrir caminho ao renascimento e à renovação.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Da Meia-Noite às Seis

A minha opinião:

Não é muito frequente uma estória me prender logo nas primeiras páginas, como aconteceu com este romance da Patrícia Reis. Rendida a uma narrativa corrida, como se fosse um rio solto de pensamentos que expõe partes da vida que não se considera dignas de registo e histórias que contêm sentimentos. E a empatia com Susana Ribeiro de Andrade foi imediata. Rui Vieira é a segunda personagem que me deixou fisgada. 

Um romance atual, que estabelece contacto com o leitor. Como se fossemos intimos. Como uma locutora de rádio lúcida e critica, que através da proximidade dos ouvintes descobre o eco de um sentir colectivo em tempo de pandemia. Histórias interrompidas. A busca da identidade e a pertinência de existir. 

Um romance sobre o tempo triste que vivemos não parece aliciante mas é simplesmente maravilhoso. Não é pesado, ainda que realista e é um recomeço. No final, este livro é como que uma retribuição. Se o lerem, vão perceber. Eu amei.

Autor: Patrícia Reis
Páginas: 192
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722071642
Edição: 2021/ abril

Sinopse: 
Susana Ribeiro de Andrade é uma locutora de rádio a tentar sobreviver à perda súbita do marido, vítima de Covid-19. Rui Vieira, jornalista na mesma estação de rádio, debate-se com as consequências de um acidente que veio expor as fragilidades da sua vida familiar e amorosa. Ambos vão encontrar um novo alento para reconstruir as suas vidas no programa de rádio das madrugadas, e aquelas horas mortas, da meia noite às seis, serão uma alternativa ao oxigénio, não só para eles, como para os seus ouvintes.

Escrita num registo de intimidade que nos envolve, esta narrativa segue a vida, presente e passada, de personagens que se cruzam e cujas opções de vida reflectem o que é prioritário em tempos de pandemia.

Da Meia-Noite às Seis é o regresso de Patrícia Reis ao espaço literário que define a singularidade, a subtileza e a sabedoria da sua voz: o território da complexidade das relações humanas e da busca de identidade.