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quarta-feira, 27 de abril de 2022

Seda

 

A minha opinião:

De quando em quando fico "baratinada" com um livro. Lacónico, delicado e subtil, é a demanda para adquirir bichos da seda no Japão e produzir sede em França numa pequena localidade e nessa empreitada enviavam um emissário. Um homem reservado que se deixa prender a tão misteriosa terra e uma mulher em particular, sem perder os laços com as suas raízes. 

Uma narrativa que lembra uma fábula de encantar, tal o fascínio que exerce sobre o leitor.


Autor: Alessandro Baricco
Páginas: 120
Editora: Quetzal Editores
ISBN: 9789897223372
Edição: 201/ j

Sinopse: 


Hervé Joucour, um comerciante de seda, vê-se obrigado a fazer uma viagem ao Japão depois de uma epidemia ter dizimado todos os bichos-da-seda provenientes de África. Chegado a esse país distante e desconhecido, muito fechado a viajantes ou qualquer influência ocidental, Joncour é acolhido no palácio do nobre Hara Kei, que se faz sempre acompanhar por uma rapariga. Entre Joucour e a jovem concubina vai surgir um amor. E é este envolvimento secreto, que se desenrola - quase sem palavras - ao longo de subsequentes viagens ao Japão, que é relatado neste livro: uma pequena narrativa, essencial e delicada como a mais fina seda.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Um Casamento Americano

 

A minha opinião:

Sem expectativas comecei a ler este romance, que foi traduzido pela Tânia Ganho. Mais um. Normalmente indica que tem qualidade e eu costumo gostar muito mas este tacteava no escuro. Começou com garra e as primeiras palavras são de Roy. E o casamento com Celestial. "A nossa terra não é o sítio onde aterramos; é o sítio de onde deslocamos." E rápidamente passou ao cerne da questão (e são muitas as que se colocam) com uma acusação de vioação. Nenhum homem negro está verdadeiramente seguro na América. Um romance atual sobre a segregação racial.

O mais importante, contudo, é o casamento ou a relação destas duas extraordinárias personagens, que têm tanto de comum como de singular num registo epistolar. Impossível não ficarmos apaixonados pelo Roy e Celestial.

Magistral. Pungente. Vibrante porque é pleno de sentimentos numa narrativa vertiginosa. Um  romance inesquecível e surpreendente porque poderia ser mais um que aborda a profundidade e durabilidade de ligações, se não se superasse com acontecimentos tão previsíveis como inauditos que são esmagadores.

Autor: Tayari Jones
Páginas: 344
Editora: Quetzal Editores
ISBN: 9789897226434
Edição: 2022/ março

Sinopse: 
Roy Othaniel Hamilton e Celestial Gloriana Davenport conheceram-se durante o tempo da faculdade e estão casados há pouco mais de um ano. Vivem em Atlanta. Roy é um homem afável, que aprecia regras e tem um bom emprego. Celestial, é bonita, cheia de carácter e uma artista promissora. Um dia, durante uma visita aos pais de Roy, na Luisiana, a porta do quarto de motel em que se tinham hospedado é arrombada e Roy é preso, acusado de violação. Mas está inocente. Celestial sabe-o e nós, os leitores, também. Roy é condenado a 12 anos de prisão.

A segunda parte do livro é epistolar e como que um diálogo entre os dois, ele preso, ela em liberdade. À medida que os anos passam, os ressentimentos aumentam, assim como os silêncios e os intervalos das cartas. Cinco anos volvidos, Roy ganha um recurso e é libertado. Na terceira parte do livro (cheia de acontecimentos) veremos como tudo mudou e como o passado não pode ser desfeito.

Uma narrativa fortíssima, com um extraordinário trabalho no delinear das três personagens principais (e narradores: Roy, Celestial e Andre, o grande amigo comum), face a questões morais, raciais e legais.

Procura-me Quando a Guerra Acabar

 

A minha opinião:

Quem me conhece bem sabe que não gosto muito de ler romances sobre a Segunda Guerra Mundial, ademais quando a Europa tem novamente uma atroz a decorrer. Não porque desvalorize ou negue mas porque sei o suficiente para ser penoso ler. O presente romance resulta de um desafio para uma leitura conjunta e como gostei muito do anterior da autora "O que sabe o vento" dei-lhe uma oportunidade. Precisava de um romance leve e fluído que me curasse a ressaca de leitor. As carismáticas personagens como Ângelo e Eva fizeram a sua magia enquanto renegavam o amor que sentiam desde a adolescência. Afinal, ele era padre e ela judia. Um tanto clichê mas eu avisei que era um romance sem grandes pretensões. Mas ainda se revelou uma surpresa quando contrariou uma ideia que tinha. A igreja Católica, ou alguns dos seus elementos auxiliaram a fugir e a esconder judeus italianos. 
E no final, oitenta por cento dos judeus italianos sobreviveram à guerra, um contraste marcante com os oitenta por cento dos judeus europeus que não o conseguiram. Poderoso testemunho com base em pessoas e factos reais que nos dá um milagre de natal.

Autor: Amy Harmon
Páginas: 368
Editora: TopSeller
ISBN: 9789898917195
Edição: 2018/ julho

Sinopse: 
Em cada vida salva, um pequeno ato de rebelião…

1933. Angelo Bianco chega a Florença e é recebido pela família de Eva Rosselli. Os dois crescem juntos, ele católico, ela judia. Com o passar dos anos, a amizade que os une torna-se num amor impossível que desafia as crenças de ambos. Mas Angelo sabe que tem de seguir a sua vocação.

Agora, dez anos depois, Angelo é um padre católico e Eva está em risco de ser deportada, e precisa da sua ajuda. Após a chegada da Gestapo, Angelo esconde Eva num convento, onde muitos judeus estão a ser protegidos pela Igreja. Até que chega o dia em que nem o Vaticano consegue enfrentar os nazis.

Com a guerra e a morte iminentes, Angelo e Eva ajudam aqueles que foram despojados de tudo, colocando as suas vidas em risco todos os dias. E é ao tentar o destino e a sorte, que Angelo enfrenta a decisão mais difícil de todas para proteger a mulher que sempre amou.

… em cada luta, um ato de humanidade.

O Colibri

A minha opinião:

Não sei por onde começar ou o que dizer sobre este livro. É simplesmente fabuloso. Um daqueles raros romances que marcam, com um protagonista que não se esquece. Marco Carrera leva uma existência sóbria numa vida aparentemente banal mas que numa narrativa com uma estrutura peculiar encaixa um registo epistolar para contar as agressões e as injúrias de uma sorte ultrajante numa combinação de candura e desespero que torna este romance único. 

Sandro Veronesi é mais um autor que vou procurar ler sempre que possível. Extraordinário. Um homem do futuro.

Autor: Sandro Veronesi
Páginas: 328
Editora: Quetzal Editores
ISBN: 9789897227875
Edição: 2022/ março

Sinopse: 
«Quando as paixões humanas colidem com as forças para além do controlo humano.»

Marco Carrera é um oftalmologista com uma vida boa e organizada - até que lhe entra pelo consultório um desconhecido, que sabe tudo sobre o seu passado e o avisa de que corre perigo. Além disso, diz-lhe que a sua mulher está a ter um caso extraconjugal e vai ter um filho que não é dele.

Estas revelações desencadeiam um longo fluxo de recordações: da infância e juventude, da família, da primeira mulher na vida dele, de um certo amigo, da irmã mais velha que morreu afogada. A narrativa constrói-se de forma empolgante e original, avançando e retrocedendo entre várias décadas dos séculos XX e XXI. E, em lugar da sequência habitual nas sagas familiares - «trauma, dor, recuperação» - tudo aqui parece acontecer ao mesmo tempo. E está sempre a acontecer.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Os da Minha Rua

 

A minha opinião:

Uma pessoa quando é criança... E algumas estórias " rezam" assim porque é uma criança que relata episódios do quotidiano. Uma alegria que a ingenuidade e candura desta criança travessa nos transmite. Os camaradas adultos faziam parte das brincadeiras já que tudo e todos serviam, ainda que o medo estivesse por vezes com eles. 

Afetos e inquietações revisitadas com Ndalu em "Os da minha rua". Numa palavra: infância.

"... a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças não sabemos arrumar essas coisas dentro do nosso coração."

"- Uma casa está em muitos lugares... É uma coisa que se encontra."

Autor: Ondjaki
Páginas: 128
Editora: Caminho
ISBN: 9789722118637
Edição: 20

Sinopse: 
Há espaços que são sempre nossos. E quem os habita, habita também em nós. Falamos da nossa rua, desse lugar que nos acompanha pela vida. A rua como espaço de descoberta, alegria, tristeza e amizade. Os da Minha Rua tem nas suas páginas tudo isso.

Como num filme, sempre me acontecia isso: eu olhava as coisas e imaginava uma música triste; depois quase conseguia ver os espaços vazios encherem-se de pessoas que fizeram parte da minha infância. De repente um jogo de futebol podia iniciar ali, a bola e tudo em câmara lenta, um dia eu vou a um médico porque eu devo ter esse problema de sempre imaginar as coisas em câmara lenta e ter vergonha de me dar uma vontade de lágrimas ali ao pé dos meus amigos.
A escola enchia-se de crianças e até de professores, pessoas que tinham sido da minha segunda classe, da terceira...
Quando alguém me tocava no ombro, as imagens todas desapareciam, o mundo ganhava cores reais, sons fortes e a poeira também.
ondjaki

O teu livro dá conta de como crescem em segredo as crianças. É o milagre das flores do embondeiro: habitam o mundo em concha por breves momentos e vêem através da luz o milagre das pequenas coisas.
Ana Paula Tavares

terça-feira, 5 de abril de 2022

Depois da Queda

A minha opinião:

Três narrativas pessoais que se cruzam. Três histórias de vida de mulheres muito distintas. Três gerações. Sogra/ avó, mãe/nora e neta/ filha e um Stephen que as liga. E todas elas guardam segredos profundos que influenciam o seu estado de espírito e modo de vida. Abril é o mês em que estas três mulheres coabitam sobre o mesmo tecto. E criam empatia com o leitor que se deixa enlevar por cada uma delas.

No fim, é um livro maravilhoso. Comovente. Terno. Reconfortante. Um livro sobre relacionamentos intergeracionais e segundas oportunidades que nos dá tanto que pensar. 

Obrigada Porto Editora. Gostei muito.

Autor: Julie Cohen
Páginas: 352
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03532-5
Edição: 2022/ março 

Sinopse: 
Quando um infeliz acidente força Honor a ficar com a sua nora viúva, Jo, e com a sua única neta, Lydia, ela mal pode esperar para recuperar o suficiente e voltar para a sua própria casa. No entanto, quanto mais tempo ela passa com Jo e Lydia, mais se sentem como uma família a sério. Mas cada uma das três mulheres guarda segredos que ameaçam destruir as suas vidas, tais como elas as conhecem.
Num dia de verão, os segredos da avó, mãe e filha serão revelados num único momento dramático que nos deixará a todos com a eterna questão: será que existem segundas oportunidades?

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Encontro

 

A minha opinião:

Brilhante. Livros do Brasil Contemporânea tem surpreendido e bem.

Contido, acutilante e... parafraseando Natasha Brown, esta usa as palavras com hábil precisão, como um instrumento físico. Um bisturi, por exemplo, ou uma pluma, neste retrato de privilegiados de um restrito círculo social, político e financeiro. Os que nos rodeiam. Que a cercam e esperam que assimile. Esmagador. De pequenas dimensões e gigantesco alcance.

Diversidade é a palavra que mais se lê. E quão pouco sabemos nós sobre esta palavra tão atual perante uma observadora de olhar aguçado como esta britânica negra que faz uma escolha.

Autor: Natasha Brown
Páginas: 120
Editora: Livros do Brasil
ISBN: 978-989-711-165-5
Edição: 2022/ março 

Sinopse: 
A narradora deste romance é uma mulher negra britânica, com uma posição de destaque no mercado financeiro e um namorado oriundo de uma família conservadora. Seguiu todas as boas regras: ser cortês num ambiente hostil, conseguir a melhor formação superior, lançar-se numa carreira rentável, comprar um bom apartamento, comprar arte, comprar uma espécie de felicidade – e principalmente, manter-se calada, discreta e prosseguir. Agora, enquanto se prepara para participar na festa de aniversário de casamento dos pais do namorado, debate-se com algo que poderá mudar a sua vida, definitivamente. É preciso tomar uma decisão. Esta é uma história sobre as histórias de que somos feitos: de raça e classe social, de segurança e liberdade, de vencedores e vencidos. E do que significa assumirmos o controlo do nosso destino.

Doce Introdução ao Caos

A minha opinião:

Não creio que Marta Orriols seja do agrado de alguns leitores... e para minha grande surpresa descobri que trabalha esporádicamente como leitora editorial (ora aí está algo que não me desagradava fazer). Retomando, o motivo pode ser a sua prosa apressada, abrupta e simultâneamente sensível, que se foca no quotidiano para dar relevância aos conflitos intímos e à complexidade das relações afetivas. Um tema tão banal na ficção mas que ela transfigura e faz sobressair nos seus romances, como no anterior "Como falar com as plantas" em que abordou o luto. No atual romance é uma gravidez não planeada. Viver a dois é mergulhar no caos existencial. Uma semana de doce introdução.

Autor: Marta Orriols
Páginas: 240
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722074360
Edição: 2022/ março 

Sinopse: 
Dani - guionista - e Marta - fotógrafa com ambições artísticas - vivem juntos há cerca de dois anos quando descobrem que Marta está grávida. A notícia mergulha-os num pântano de dúvidas que os afeta quer como indivíduos, quer como casal.

Dani, órfão de pai, terá de enfrentar a promessa que fez a si mesmo há muitos anos de nunca abandonar um filho. Marta, que nasceu no seio de uma família liberal, não sente qualquer vontade de ser mãe e tem planos de ir viver para Berlim e realizar os seus sonhos. Que fazer então com a dor que nasce de um sentimento que não se sabia que existia? Como dar voz a um desejo reprimido? Serão os projetos profissionais tão válidos como o desejo de constituir família?

Explorando as emoções mais íntimas, Marta Orriols - autora do celebrado Aprender a Falar com as Plantas - convida-nos a analisar as contradições que se colocam diante da hipótese de ter um filho, propondo-nos que fujamos do pensamento simplista para observarmos os limites da vontade, do instinto e da liberdade. Esta é uma história com muitos matizes que confirma o grande talento narrativo da autora.

O Perfume das Flores à Noite

A minha opinião:

Este livro é uma extraordinária viagem que nos dá mundo. Confessional, intímo e tão bom, na simplicidade da escrita  de Leïla (que em árabe significa noite) de que já sou incondicional fã. A escrita e a literatura é o mote para um primeiro ensaio publicado. Sozinha e descalça, uma noite num museu de arte contemporânea em Veneza e é transportada para os recantos que a memória perservou. Identidade também foi assunto. E consequentemente, liberdade. E não faltaram interjeições de grandes autores para aconchegar uma ideia, um pensamento. E a leitura faz-se de avanços e recuos para guardar e apreciar palavras sábias e sensatas de quem contempla os outros.

"A literatura, como a arte, não conhece o tempo da vida quotidiana. Não quer saber das fronteiras entre o passado e o presente. A literatura faz acontecer o futuro, devolve-nos às florestas claras da infância. O passado, quando escrevemos, não está morto" (pag.134)

Autor: Leïla Slimani
Páginas: 144
Editora: Alfaguara
ISBN: 9789897845376
Edição: 2022/ março 

Sinopse: 
De uma das vozes mais estimulantes da literatura europeia, um texto magnífico, que combina uma viagem pela memória com uma reflexão instigante.

Como escritora que acredita que a verdadeira audácia vem do interior, Leïla Slimani não gosta de sair e prefere a solidão à distração. No entanto, aceita um inusitado convite para passar uma noite num museu em Veneza - um edifício mítico na Punta della Dogana. A noite insone acaba por ser o pretexto para a escritora deambular por outras paragens e outros tempos.

Percorrendo, de pés descalços, as salas e os corredores do museu, estimulada pelo perfume das damas-da-noite que a transportam para a infância em Rabat, Leïla Slimani fala-nos do belo e do efémero, da virtude do silêncio, da magia da criação artística, da solidão e do sacrifício da escrita. Acompanhada pelas palavras e histórias de outros criadores, como Virginia Woolf, Rilke, Montaigne, Murakami e Emily Dickinson, Leïla conduz o leitor por uma viagem intensa, uma reflexão iluminada e um desfile de memórias comoventes.