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terça-feira, 30 de abril de 2024

As Três Mortes de Lucas Andrade

 

A minha opinião: 

Este livro ficou a marinar algum tempo. Apenas porque não chegou o momento certo e outros se impuseram. Não é um pequeno livro e a escrita fluída, honesta e limpa, bem como a história realista e tocante (sem nada de lamechas) teria que ser retomada. 

"A miséria sem filtros soa a fábula negra aos ouvidos de quem nunca teve fome, frio e febre."

"O êxodo do interior como fuga à tensão e crítica de quem na pobreza tinha o arrojo de sonhar ser diferente como a mãe de João Miguel. Ela não lê mas sabe que o filho tem que ler. Enquanto ela renasce nas perfiferias de Lisboa, o filho mortifica naquele mundo hostil. O desafogo dos pais que os fazia alegres.

"Quem diz que o dinheiro não traz felicidade nunca foi miserável."

Um livro que prende com muitas das memórias coletivas ou individuais que temos. Crua análise sócio-económica num primeiro romance bem conseguido. Violência, desamparo, adaptação e suicídio.

Alerta: Apesar da linguagem precisa e talvez por isso não é fácil ler este livro porque traz alguma desumanidade que custa ler. Peca por excesso. E sem dúvida, que o retrato de época e de um certo estrato social não é apenas ficcional. Brutal!

"A mulher pobre era vista como um objeto, uma escrava sexual às ordens dos senhores, uma barriga de aluguer às ordens das senhoras."

 Autor: Henrique Raposo
Páginas: 640
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897229442
Edição: outubro/2023

Sinopse:
Visto de um lugar onde pode estar Deus, este romance é a saga de um suicida. Sabemos, desde o início, que ele vai matar-se - é a autópsia de um suicídio. Os leitores dividir-se-ão no julgamento moral deste anti-herói. Uns considerá-lo-ão um vilão, outros um herói. Para terminar, talvez uma minoria mantenha a esperança de que ele permanece vivo e que voltará numa outra encarnação.

Por outro lado, trata-se da saga de um jovem pobre que vive em conflito com os códigos masculinos da pobreza, da rua, da fábrica. Visto através das personagens que rodeiam o anti-herói, sobretudo mulheres, o livro de Henrique Raposo é um retrato novo e revolucionário da pobreza, fixando-se na nossa segunda metade do século XX, retratando as migrações do campo para a cidade, os choques entre a cidade e a periferia - e o nascimento dos subúrbios dos anos 60 e 70.

Para isso, convoca o elemento invisível na ficção portuguesa de agora: a pobreza, o choque entre classes e, sobretudo, os conflitos dentro de cada classe - sempre refletindo sobre a violência e o mal e colocando uma pergunta recorrente: como se mantém a decência no meio do caos, da pobreza e do mal?

Notas sobre uma Execução

A minha opinião: 

As expectativas podem prejudicar a experiência de leitura. Acho que todos sabemos isso mas é inevitável porque somos nós que as criamos quando escolhemos um livro ou quando nos falam desse livro. E mesmo sem spoilers é um ponto de partida que pode determinar o quão gostamos do que lemos. Vou tentar não prejudicar ninguém porque as minhas expectativas fizeram com que andasse renitente a ler. Receava o que menos gosto de ler: terror. Não tenho atração por histórias de serial killers.

Notas sobre uma execução é como o título indica sobre um homem condenado à morte. Ansel. Narrador e protagonista. Um homem que fascina as mulheres porque as compreende e sabe lidar com elas, enquanto estas são as grandes personagens que, ganham dimensão ao relatar excertos da vida deste homem e principalmente ao se revelarem numa história engenhosa e bem contada. Viciante.

Autor: Danya Kukafka
Páginas: 312
Editora: Editorial Presença
ISBN: 9789722373272
Edição: março/2024

Sinopse:
Premiado e considerado o melhor livro do ano, na sua categoria, pelo New York Times, um falso thriller que parte da morte anunciada de um homem para se tornar uma grande história sobre mulheres e o que as liga.

Faltam doze horas para Ansel Packer ser executado. Se tem plena consciência do que fez, enquanto espera a morte - o mesmo destino que deu a várias mulheres, anos antes -, o que Ansel mais quer é ser entendido. Mas bastarão as suas palavras para realmente o compreendermos?

A voz do assassino em série é, então, entrecortada pelo caleidoscópio de três mulheres - a mãe, a cunhada e a detetive que o prendeu -, e escutamos a história da vida de Ansel. Lavender, a mãe, tinha dezassete anos e foi levada ao desespero; Hazel, gémea da mulher do condenado, assistiu ao desenrolar daquela relação tóxica, que devorou toda a família; e Saffy, a detetive temerária que o encurralou, não consegue dar verdadeiro sentido à sua vida.

À medida que o fim se aproxima, aquelas três mulheres refletem sobre as escolhas que culminaram em tragédia, hábil, subtil e verdadeiramente explorando as feridas abertas nas vidas de todos os participantes da história.

Retrato do que é - ou pode ser - uma mulher, do que, afinal, nos liga a todas, Notas sobre uma Execução é um tecido criado lentamente, fio a fio, sobre uma tela de suspense e empatia, que põe em perspetiva o sistema de justiça, as ideias feitas sobre os assassinos de mulheres e o simplismo com que, amiúde, olhamos para os que chamamos culpados.

Natureza Urbana

A minha opinião: 

Não resisto a um bom conto ou novela. Pequenos e tão ricos que me encantam. Uma pequena história ou episódio que leio em qualquer momento e em qualquer sítio. Personagens diferentes mas extraordinárias. E que persistem na memória e nos acompanham no quotidiano sem ser preciso falar alto mas em diálogo na nossa cabeça. Alguém que mais ninguém vê mas que não nos deixa sós. Um outro olhar porque se procura ver a natureza urbana quando se anda devagar. E repensar como nos alimentamos. Simples assim.

Autor: Joana Bértholo
Páginas: 64
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897833403
Edição: abril/2023

Sinopse:
«Eu era uma pessoa simples urbana, uma planta que insistiu em crescer entre os paralelepípedos do passeio, na rua mais concorrida da metrópole, cujo destino é conhecer a sola dos sapatos de milhares de turistas e transeuntes e respirar violentas concentrações de dióxido de carbono. Eu sabia chamar um táxi, mas não o rebanho; sabia levar uma muda de roupa à lavandaria self-service e trazê-la limpa, mas não sabia levar um cântaro à teta da vaca e trazê-lo cheio. Não sabia atear fogo, construir um abrigo, nem situar-me olhando as estrelas. Não conhecia o significado dos ventos nem descodificava as nuvens, quando antecipam temporal. Os elementos do mundo em meu redor que eu considerava naturais eram indecifráveis.»

Fahrenheit 451

A minha opinião: 

A temperatura a que um livro se inflama e consome.

Nesta frase está contido tudo o que eu sabia sobre este livro. Um livro sobre a destruição de livros. E apesar de ser um clássico, muitas vezes recomendado, não me tentava. Os clubes de leitura têm essa incrivel vantagem, como já tenho referido. Direcionam. Vamos renitentes abrir um livro pousado à espera do momento certo e não raras vezes ficamos maravilhados.

Guy Montag é o protagonista. Um bombeiro, como o pai e o avô foram mas não apagava mas ateava fogos. Uma jovem vizinha questiona se é feliz e ...

A destruição dos livros como forma de impedir de se sentir emoções ou sentimentos. De se pensar. Os livros são coisas. Era a mensagem.
"Assim, quando eram só coisas, nada restava mais tarde para incomodar a consciência. Tratava-se simplesmente de uma limpeza, de um trabalho de desinfeção."

"Abatamos o espírito humano."

A formatação desde o berço. Alegres foliões e estúpidos. Todos iguais. Um romance distópico de ficção cientifica de 1953, que continua pertinente como um alerta para a censura institucional ou a restrição de liberdades e direitos, com o apoio dos meios de comunicação (e atualmente das redes sociais).
Dividido em três partes é um livro que procura agitar consciências a não ceder ao alheamento em que se acomodam sem procurar uma posição esclarecida e sem espaço para a imaginação e a criatividade que abrem novos mundos.
Não sendo o meu gênero de leitura favorito gostei.

Autor: Ray Bradbury
Páginas: 240
Editora: C11 X 17
ISBN: 9789897733048
Edição: julho/2020

Sinopse:
Guy Montag é um bombeiro. O seu emprego consiste em destruir livros proibidos e as casas onde esses livros estão escondidos. Ele nunca questiona a destruição causada, e no final do dia regressa para a sua vida apática com a esposa, Mildred, que passa o dia imersa na televisão.

Um dia, Montag conhece a sua excêntrica vizinha Clarisse e é como se um sopro de vida o despertasse para o mundo. Ela apresenta-o a um passado onde as pessoas viviam sem medo e dá-lhe a conhecer ideias expressas em livros. Quando conhece um professor que lhe fala de um futuro em que as pessoas podem pensar, Montag apercebe-se subitamente do caminho de dissensão que tem de seguir.

Mais de sessenta anos após a sua publicação, o clássico de Ray Bradbury permanece como uma das contribuições mais brilhantes para a literatura distópica e ainda surpreende pela sua audácia e visão profética.