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sábado, 25 de abril de 2015

O Que nos Separa dos Outros por Causa de um Copo de Whisky

Autor: Patrícia Reis
Edição: 2014/ setembro
Páginas: 96
ISBN: 9789722055840
Editora: Dom Quixote

Sinopse: 
Trata-se de um monólogo de um homem que está num bar em Macau. As memórias vão derretendo como o gelo no fundo do copo. A sua interlocutora imaginária é a mulher estranha que está do outro lado do balcão. Alguém que é apenas, como o personagem principal, um acumular de histórias ou de banalidades. Como tudo na vida. 
Esta novela, vencedora do Prémio Nacional de Literatura 2013-2014 da Fundação Lions Portugal, é uma nova forma de trabalhar o discurso interno, as memórias, sempre com a indicação de uma certa polifonia, já habitual nos livros da autora.

A minha opinião: 
Como a sinopse depreende-se o tipo de leitura que iremos ter. Com alguma amargura. Mas por vezes, é preciso encararmos o lado menos bonito e bem sucedido da vida e fazer um balanço. Por opção, temperamento ou sorte, ou talvez um mix de tudo, tanto acontece alheio `a nossa vontade, contrario `as nossas expectativas. Quantas vezes não projetamos filmes sobre a vida alheia ou a nossa, em dialogo imaginário com alguém, mas que se trata apenas de um monologo para colocar em melhor perspectiva as nossas ideias ou vivências.

"As historias de cada um são testemunhos irregulares, com arestas e falhas, buracos e acrescentos." (pag.51)

Por impulso, insanidade momentânea, um homem de meia idade aceita deslocar-se durante um mês para Macau para ensinar algo que não se ensina: a escrever. A ser criativo. Pareceu-lhe um lugar para perder a razão, recordar memorias sem interessa e ter fantasias estúpidas. Uma alma solitária no mundo. Como tantos. Nada escapa impunemente ao seu desencanto e desalento ébrio.

Um livro sério e lúcido. Uma leitura breve e introspetiva. Bem escrito e bem estruturado, como seria de se esperar. 

"E´ crucial dar um destino `as coisas. Por isso, fazemos tantos planos. E a vida troca-nos os planos e atira-nos para o fundo de um copo."       (pag. 82)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A Casa das Rosas

Autor: Andréa Zamorano
Edição: 2015/ fevereiro
Páginas: 160
ISBN: 9789897222108
Editora: Quetzal Editores

Sinopse: 
Esta é a história extraordinária de Eulália, uma jovem da classe média de São Paulo. Os inusitados acontecimentos que marcam a sua vida nesse período épico da vida brasileira, entre 1983 e 1984 (a campanha das eleições diretas, marco no combate pela democracia), vão transportar o leitor para um mundo onde realidade e fantasia coexistem e se entrelaçam.

Ao longo dessa história, haverá uma mãe desaparecida, um vestido de noiva, um detetive solitário, um jardineiro que sabe demais, um deputado poderoso, um perfume de rosas, uma fuga através da cidade em chamas, um animal que fala, um fantasma que aparece e desaparece, um poeta mexicano que só mais tarde irá surgir nos livros de Roberto Bolaño, um português dono de um boteco em São Paulo - e um final empolgante e inesperado. 
A estreia de uma autora brasileira a viver em Portugal há longos anos, que cruza as culturas (e ortografias) de uma mesma língua.

A minha opiniao : 
Romance com pouco romance. Prosa quase poética, com frases curtas e palavras duras, num enredo com três personagens principais e três secundarias, e um sagui que faz elo de ligação entre o consciente e o inconsciente de uma personagem que tanto sabe sem nada compreender. 

Enigmática narrativa que nos desconcerta mas encanta, numa breve leitura que faz a diferença, justamente porque não nos deixa indiferentes. O tema de fundo que não revelo, e´ uma descoberta que ao leitor interessa e não deve perder. Intemporal e sempre noticia. 

O nome de uma casa que rosas tinha. A beleza e a loucura que ilude os sentidos e a razão numa perdição. O poder que cega. Virgílio, Cândida e Eulália e o Sr, Raimundo, o jardineiro, quatro personagens que não vou esquecer. 

Inspirado primeiro romance para quem sabe de letras e usa-as bem. Sem preconceito, gostei muito. 

sábado, 18 de abril de 2015

Viagem ao Coração dos Pássaros

Autor: Possidónio Cachapa
Edição: 2015/ janeiro
Páginas: 176
ISBN: 9789897541377
Editora: Marcador

Sinopse: 
Viagem ao Coração dos Pássaros remete-nos para um universo único mas que se repete sempre no tempo dos seres humanos. Fala-nos das contradições e dialética do mundo, do amor, da vida, mas também dos seus opostos. É um livro que se lê num sopro, como se fosse um instante, numa viagem que o leitor faz ao coração, o seu próprio, e o dos protagonistas da história, realista, autêntica e bela.

Possidónio Cachapa conduz-nos através da sua escrita profunda, revelando-nos os dons que todos temos e as nossas virtudes mas também as nossas debilidades e fraquezas, numa simplicidade narrativa que nos prende da primeira à última página.

A minha opinião: 
Muito ouvi falar sobre este autor. Bem, muito bem. O nome do autor deixa-me com um sorriso nos lábios. E a escrita deixou-me cativa, de um humor irreverente e certeiro, onde a lucidez impera nesta fantástica narrativa sobre Kika, a menina e mulher, com nome que parece de gato. 

"(...) Acontecimentos menores, passados numa freguesia pequena, onde uma mulher que carrega um Dom, viveu rodeada de seres passados e de coisas que a ultrapassavam, e a quem tinha sido dada a ingrata missão de viver com eles. Que nos interessa que um escritor tenha um dia ouvido falar disto e se tenha aproximado como um insecto nocturno dessa casa onde os raios e os gemidos trovoavam diariamente?"   (pag. 163)

Interessa e muito, porque a breve historia de Maria Joaquina Constança, conhecida por Kika, filha de Evangelina, uma mulher dura e sofrida e do sonhador e ausente Filipe, temos um retrato da verdadeira e contraditória condição humana. Um Dom de ver e ouvir o que queria e não queria saber, a capacidade de se expressar sem mover os lábios com o alcance da mente, um potencial de curar apenas com as suas mãos e temos uma mulher renegada e amada, que não sabia o que era o amor ate ao fim da sua vida.

Criativa e brilhante, e mais não escrevo, sobre esta narrativa que nos toca a alma. Leiam! Serão surpreendidos, como eu fui. 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Hotel Sunrise

Autor: Victoria Hislop
Edição: 2015/ março
Páginas: 352
ISBN: 9789720047304
Editora: Porto Editora

Sinopse: 
Famagusta, no Chipre, é uma cidade dourada pelo calor e pela sorte, o resort mais requisitado do Mediterrâneo. Um casal ambicioso decide abrir um hotel que prime pela sua exclusividade, onde gregos e cipriotas turcos trabalhem em harmonia.
Duas famílias vizinhas, os Georgious e os Özkans, encontram-se entre os muitos que se radicaram em Famagusta para fugir aos anos de inquietação e violência étnica que proliferam na ilha. No entanto, sob a fachada de glamour e riqueza da cidade, a tensão ferve em lume brando…

Quando um golpe dos gregos lança a cidade no caos, o Chipre vê-se a braços com um conflito de proporções dramáticas. A Turquia avança para proteger a minoria cipriota turca e Famagusta sucumbe sob os bombardeamentos. Quarenta mil pessoas fogem dos avanços das tropas.
Na cidade deserta, restam apenas duas famílias. Esta é a sua história.

A minha opinião: 
Victoria Hislop já provou ser uma boa contadora de historias com "A Ilha" e "A Arca", dois dos seus romances que li. Com "Hotel Sunrise" conseguiu manter o nível elevado com um enredo passado essencialmente num luxuoso hotel num paraíso terrestre, que a ganancia e a cupidez deitaram a perder. Os homens na sua ânsia de poder, e separando etnias que tinham tudo para se dar bem, iniciaram uma revolta civil que culminou num trágico desfecho que a ninguém beneficiou. As mulheres na sua infinita sabedoria compreenderam que os afetos superam mesquinharias e assumiram responsabilidades, em vez de atribuir culpas alheias e alimentar um ódio sem sentido. 

Este romance tem todos os ingredientes para ser um sucesso, como Historia, intriga, suspense, crime, romance e glamour, bem balanceados e habilmente doseados por personagens com substancia e verossímeis. O bom e o mau, o rico e o pobre, o doce e o amargo, as tradições e o mundano. Opostos inconciliáveis. 

Mais do que um romance ficcional, uma incursão pelo passado recente com um aperto no peito. 

Leitura empolgante que se torna imparável com o envolvimento com as personagens e a trama, que ansiamos termine bem.

Um prazer de ler!

domingo, 12 de abril de 2015

A Vida Quando era Nossa

Autor: Marian Izaguirre
Edição: 2015/ janeiro
Páginas: 344
ISBN: 9789722529297
Editora: Bertrand

Sinopse: 
A Vida Quando era Nossa é um tributo à literatura, mas é sobretudo uma história de amizade entre duas mulheres. Uma história que começa quando se abre um livro e que só termina quando todas as pontas da narrativa se unem.
«Tenho saudades do tempo em que a vida era nossa», diz Lola, a protagonista do romance. Sente falta da sua vida, tão cheia de esperança, feita de livros e conversas ao café, sestas ociosas e projetos de construir um país. A Espanha que, passo a passo, aprendia as regras da democracia.

Mas, em 1936, chega um dia em que a vida se transforma em sobrevivência e agora, passados quinze anos, a única coisa que sobra é uma pequena livraria, meio escondida num dos bairros de Madrid, onde Lola e Matías, o marido, vendem romances e clássicos esquecidos. 
É nesse lugar modesto que, em 1951, Lola conhece Alice, uma mulher que encontrou nos livros uma razão para viver. Acompanhamos a amizade entre as duas, atrás do balcão a lerem o mesmo livro juntas, e isso leva-nos atrás no tempo, à Londres do início do século XX, para conhecermos uma menina que se perguntava quem seriam os seus pais…

A minha opinião: 
A Vida quando era Nossa, um titulo que adorei. Uma frase tão simples mas com tanto significado.

A sinopse fez o resto, e ler este romance era uma prioridade, quase uma obsessão, que tive que gerir ate surgir o momento certo. Quando este chegou, não poderia ser mais prazeroso. 

Vários são os fragmentos desta narrativa que nos tocam como leitores compulsivos, mas não apenas, porque ficção e realidade aproximam-se quando nos reconhecemos nas paginas do livro e ainda descobrimos coisas que não sabíamos, como só os bons autores o conseguem. Toca-nos de um modo muito especial e quando assim acontece, compreendemos quase intuitivamente tudo o que nos e´ contado como se estivéssemos a partilhar confidencias, em cumplicidade com as personagens. Neste livro, vamos partilhar o mundo secreto de Rose Tomlin enquanto Alice e Lola lêem "A Rapariga dos Cabelos de Linho" e acompanhamos a amizade e apreço mutuo. Tanto para descobrir sobre uma fascinante mulher, filha bastarda de um conde e de uma arrojada mãe que apenas reconhece depois da sua morte. Atravessamos a I Guerra Mundial e as suas consequências ligeiras para esta privilegiada personagem, para terminarmos na Guerra Civil Espanhola com a sua terrível perda. Lola e Matias são bem mais do que personagens secundarias, também eles com um difícil percurso que se altera quando Alice se cruza nos seus caminhos. 

"Quando te sentires sozinha, lê um livro... Isso vai salvar-te." Um bom conselho que Rose aceitou do seu primeiro amor. "Historias nas quais se refugiar, historias pelas quais fugir. Livros." 

"O tato das folhas, o calor seco do papel, livros com as suas lombadas arredondadas, de meia-encadernação, brocados, de tecido, livros com nervos, com etiquetas, sem elas, livros escritos há cem anos onde o calor das mãos alheias deixou uma historia feita de tempo."         (pag. 93)

domingo, 5 de abril de 2015

Comédia em modo menor

Autor: Hans Keilson
Edição: 2015/ março
Páginas: 128
ISBN: 9789720071651
Editora: Sextante

Sinopse: 
Comédia negra em tempo de guerra, este notável pequeno romance de Hans Keilson, originalmente publicado em 1947, revela-nos um autor excecional: profundamente irónico, de escrita aguda, brilhante, moderna, da linhagem de Kafka ou de Joseph Roth.

É uma história de gente comum resistindo à ocupação nazi na Holanda: um casal, Wim e Marie, esconde em sua casa um judeu em fuga, Nico, e vai ter de livrar-se do seu corpo quando este morre de pneumonia.

A minha opinião: 
Um pequeno romance que esperava que fosse uma espécie de conto, mas que me pareceu o texto de uma peça de teatro, com o foco no agir e sentir das personagens, encurraladas em espaços fechados por serem perseguidas. Fechadas sobre si mesmas e o seu universo interior. Ironia e inquietação quando se percebe o conflito interior de cada uma das três personagens, primeiro enquanto hospedeiros e depois reclusos que esperam a libertação.   

"E Marie compreendeu que as palavras amar o próximo ou dever patriótico ou desobediência civil eram apenas um pálido reflexo do sentimento profundo que os havia levado, a ela e a Win a acolher em sua casa uma pessoa que era perseguida".                                  (pag. 43)

Narrativa crua e muito realista, numa linguagem acutilante e direta,  que nos deixa a nu com as nossas emoções, para nos confrontarmos com pequenos grandes atos de coragem num tempo de ódio que nunca iremos compreender. 

"Também havia problemas. Obviamente, quando as pessoas vivem umas com as outras, há problemas. Os problemas são como pequenas bombas-relógio, que alguém colocou em tempos sombrios. Em geral, rebentam precisamente quando se pensa que esta tudo a correr da melhor maneira. Pum! A coisa explode, começamos por ter uma surpresa, apanhamos um susto e sentimo-nos algo irritados. Os problemas são uma maçada porque acontecem de surpresa e porque nos obrigam a fazer um esforço. As pessoas que afirmam que veem "acontecer" um problema são como as pessoas que dizem que ouvem crescer a relva."                                   (pag.49)     

Um pequeno embaraço, uma pequena desilusão. Porque e´ que teve de morrer? Justamente ele que se escondia na sua casa, teve de morrer de uma morte perfeitamente vulgar, tal como costumam morrer as pessoas tanto em tempo de guerra como em tempo de paz? 

Leitura forte mas sem qualquer registo de violência, para agitar consciências. 

Aberto toda a noite

Autor: David Trueba
Edição: 2012/ outubro
Páginas: 246
ISBN: 9789896721374
Editora: Alfaguara

Sinopse: 
O primeiro romance de David Trueba convida-nos a entrar no lar dos Belitre, uma família tão numerosa quanto disparatada. Crónica de uma educação sentimental, as pessoas que habitam este livro apenas dão ouvidos à voz do seu coração. Numa sucessão irresistível de quadros da vida familiar, conhecemos Félix e Paula, um casal em crise, agastado pela rotina de criar seis filhos. Conhecemos Matías, um rapaz de doze anos que sofre de uma misteriosa doença mental. Conhecemos Abelardo, o avô, que no meio da demência senil se entrega de corpo e alma à poesia e à religião. Mas, ainda assim, falta conhecer muito, porque a família é muito mais do que as pessoas que a compõem.

Em Aberto toda a noite, Trueba pinta, com humor, ternura e magia, o fresco de uma família deliciosamente excêntrica, a que apetece pertencer.

A minha opinião: 
Um romance irresistível sobre uma família numerosa, considerando os seis filhos homens de Felix e Paula que habitam todos debaixo do mesmo tecto numa interacção que, permite momentos únicos de leitura, abstracção, humor e incredulidade. O avô Abelardo que se entrega a uma convicção religiosa na sua loucura e arrasta duas testemunhas de Jeová que ainda não tinham percebido as suas inclinações sexuais ou uma avó, Alma, que não saia da cama e protegia as suas memorias enquanto tinha consciência que a sua nova enfermeira não era indiferente a nenhum dos membros masculinos daquela família, são os únicos que não residiam naquela casa. 

Tanto para contar num ritmo vertiginoso sem que um sorriso se afaste do rosto de quem lê, surpreendido com tudo o que há para saber sobre cada um deles porque não se pode conhecer uma família como a Belitre sem conhecer os seus membros, especificamente no Verão de 1986 que admitiam a extravagancia quotidiana como normalidade. 

"Lar: O lugar de ultimo recurso - aberto toda a noite. "
Ambrose Bierce, Dicionario do Diabo (pag. 145)

Sentimentos e laços afetivos que unem as pessoas e mudam ao longo do tempo. "A mulher, só por suportar o género masculino, já ganha metade do céu,", mas também solidão, violência, rejeição social. Um bom enredo com personagens excecionais que vale muito a pena ler. Um boa sugestão que muito agradeço aos meus bons amigos da Roda dos Livros.
Ler para crer!