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terça-feira, 30 de abril de 2024

As Três Mortes de Lucas Andrade

 

A minha opinião: 

Este livro ficou a marinar algum tempo. Apenas porque não chegou o momento certo e outros se impuseram. Não é um pequeno livro e a escrita fluída, honesta e limpa, bem como a história realista e tocante (sem nada de lamechas) teria que ser retomada. 

"A miséria sem filtros soa a fábula negra aos ouvidos de quem nunca teve fome, frio e febre."

"O êxodo do interior como fuga à tensão e crítica de quem na pobreza tinha o arrojo de sonhar ser diferente como a mãe de João Miguel. Ela não lê mas sabe que o filho tem que ler. Enquanto ela renasce nas perfiferias de Lisboa, o filho mortifica naquele mundo hostil. O desafogo dos pais que os fazia alegres.

"Quem diz que o dinheiro não traz felicidade nunca foi miserável."

Um livro que prende com muitas das memórias coletivas ou individuais que temos. Crua análise sócio-económica num primeiro romance bem conseguido. Violência, desamparo, adaptação e suicídio.

Alerta: Apesar da linguagem precisa e talvez por isso não é fácil ler este livro porque traz alguma desumanidade que custa ler. Peca por excesso. E sem dúvida, que o retrato de época e de um certo estrato social não é apenas ficcional. Brutal!

"A mulher pobre era vista como um objeto, uma escrava sexual às ordens dos senhores, uma barriga de aluguer às ordens das senhoras."

 Autor: Henrique Raposo
Páginas: 640
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897229442
Edição: outubro/2023

Sinopse:
Visto de um lugar onde pode estar Deus, este romance é a saga de um suicida. Sabemos, desde o início, que ele vai matar-se - é a autópsia de um suicídio. Os leitores dividir-se-ão no julgamento moral deste anti-herói. Uns considerá-lo-ão um vilão, outros um herói. Para terminar, talvez uma minoria mantenha a esperança de que ele permanece vivo e que voltará numa outra encarnação.

Por outro lado, trata-se da saga de um jovem pobre que vive em conflito com os códigos masculinos da pobreza, da rua, da fábrica. Visto através das personagens que rodeiam o anti-herói, sobretudo mulheres, o livro de Henrique Raposo é um retrato novo e revolucionário da pobreza, fixando-se na nossa segunda metade do século XX, retratando as migrações do campo para a cidade, os choques entre a cidade e a periferia - e o nascimento dos subúrbios dos anos 60 e 70.

Para isso, convoca o elemento invisível na ficção portuguesa de agora: a pobreza, o choque entre classes e, sobretudo, os conflitos dentro de cada classe - sempre refletindo sobre a violência e o mal e colocando uma pergunta recorrente: como se mantém a decência no meio do caos, da pobreza e do mal?

Notas sobre uma Execução

A minha opinião: 

As expectativas podem prejudicar a experiência de leitura. Acho que todos sabemos isso mas é inevitável porque somos nós que as criamos quando escolhemos um livro ou quando nos falam desse livro. E mesmo sem spoilers é um ponto de partida que pode determinar o quão gostamos do que lemos. Vou tentar não prejudicar ninguém porque as minhas expectativas fizeram com que andasse renitente a ler. Receava o que menos gosto de ler: terror. Não tenho atração por histórias de serial killers.

Notas sobre uma execução é como o título indica sobre um homem condenado à morte. Ansel. Narrador e protagonista. Um homem que fascina as mulheres porque as compreende e sabe lidar com elas, enquanto estas são as grandes personagens que, ganham dimensão ao relatar excertos da vida deste homem e principalmente ao se revelarem numa história engenhosa e bem contada. Viciante.

Autor: Danya Kukafka
Páginas: 312
Editora: Editorial Presença
ISBN: 9789722373272
Edição: março/2024

Sinopse:
Premiado e considerado o melhor livro do ano, na sua categoria, pelo New York Times, um falso thriller que parte da morte anunciada de um homem para se tornar uma grande história sobre mulheres e o que as liga.

Faltam doze horas para Ansel Packer ser executado. Se tem plena consciência do que fez, enquanto espera a morte - o mesmo destino que deu a várias mulheres, anos antes -, o que Ansel mais quer é ser entendido. Mas bastarão as suas palavras para realmente o compreendermos?

A voz do assassino em série é, então, entrecortada pelo caleidoscópio de três mulheres - a mãe, a cunhada e a detetive que o prendeu -, e escutamos a história da vida de Ansel. Lavender, a mãe, tinha dezassete anos e foi levada ao desespero; Hazel, gémea da mulher do condenado, assistiu ao desenrolar daquela relação tóxica, que devorou toda a família; e Saffy, a detetive temerária que o encurralou, não consegue dar verdadeiro sentido à sua vida.

À medida que o fim se aproxima, aquelas três mulheres refletem sobre as escolhas que culminaram em tragédia, hábil, subtil e verdadeiramente explorando as feridas abertas nas vidas de todos os participantes da história.

Retrato do que é - ou pode ser - uma mulher, do que, afinal, nos liga a todas, Notas sobre uma Execução é um tecido criado lentamente, fio a fio, sobre uma tela de suspense e empatia, que põe em perspetiva o sistema de justiça, as ideias feitas sobre os assassinos de mulheres e o simplismo com que, amiúde, olhamos para os que chamamos culpados.

Natureza Urbana

A minha opinião: 

Não resisto a um bom conto ou novela. Pequenos e tão ricos que me encantam. Uma pequena história ou episódio que leio em qualquer momento e em qualquer sítio. Personagens diferentes mas extraordinárias. E que persistem na memória e nos acompanham no quotidiano sem ser preciso falar alto mas em diálogo na nossa cabeça. Alguém que mais ninguém vê mas que não nos deixa sós. Um outro olhar porque se procura ver a natureza urbana quando se anda devagar. E repensar como nos alimentamos. Simples assim.

Autor: Joana Bértholo
Páginas: 64
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897833403
Edição: abril/2023

Sinopse:
«Eu era uma pessoa simples urbana, uma planta que insistiu em crescer entre os paralelepípedos do passeio, na rua mais concorrida da metrópole, cujo destino é conhecer a sola dos sapatos de milhares de turistas e transeuntes e respirar violentas concentrações de dióxido de carbono. Eu sabia chamar um táxi, mas não o rebanho; sabia levar uma muda de roupa à lavandaria self-service e trazê-la limpa, mas não sabia levar um cântaro à teta da vaca e trazê-lo cheio. Não sabia atear fogo, construir um abrigo, nem situar-me olhando as estrelas. Não conhecia o significado dos ventos nem descodificava as nuvens, quando antecipam temporal. Os elementos do mundo em meu redor que eu considerava naturais eram indecifráveis.»

Fahrenheit 451

A minha opinião: 

A temperatura a que um livro se inflama e consome.

Nesta frase está contido tudo o que eu sabia sobre este livro. Um livro sobre a destruição de livros. E apesar de ser um clássico, muitas vezes recomendado, não me tentava. Os clubes de leitura têm essa incrivel vantagem, como já tenho referido. Direcionam. Vamos renitentes abrir um livro pousado à espera do momento certo e não raras vezes ficamos maravilhados.

Guy Montag é o protagonista. Um bombeiro, como o pai e o avô foram mas não apagava mas ateava fogos. Uma jovem vizinha questiona se é feliz e ...

A destruição dos livros como forma de impedir de se sentir emoções ou sentimentos. De se pensar. Os livros são coisas. Era a mensagem.
"Assim, quando eram só coisas, nada restava mais tarde para incomodar a consciência. Tratava-se simplesmente de uma limpeza, de um trabalho de desinfeção."

"Abatamos o espírito humano."

A formatação desde o berço. Alegres foliões e estúpidos. Todos iguais. Um romance distópico de ficção cientifica de 1953, que continua pertinente como um alerta para a censura institucional ou a restrição de liberdades e direitos, com o apoio dos meios de comunicação (e atualmente das redes sociais).
Dividido em três partes é um livro que procura agitar consciências a não ceder ao alheamento em que se acomodam sem procurar uma posição esclarecida e sem espaço para a imaginação e a criatividade que abrem novos mundos.
Não sendo o meu gênero de leitura favorito gostei.

Autor: Ray Bradbury
Páginas: 240
Editora: C11 X 17
ISBN: 9789897733048
Edição: julho/2020

Sinopse:
Guy Montag é um bombeiro. O seu emprego consiste em destruir livros proibidos e as casas onde esses livros estão escondidos. Ele nunca questiona a destruição causada, e no final do dia regressa para a sua vida apática com a esposa, Mildred, que passa o dia imersa na televisão.

Um dia, Montag conhece a sua excêntrica vizinha Clarisse e é como se um sopro de vida o despertasse para o mundo. Ela apresenta-o a um passado onde as pessoas viviam sem medo e dá-lhe a conhecer ideias expressas em livros. Quando conhece um professor que lhe fala de um futuro em que as pessoas podem pensar, Montag apercebe-se subitamente do caminho de dissensão que tem de seguir.

Mais de sessenta anos após a sua publicação, o clássico de Ray Bradbury permanece como uma das contribuições mais brilhantes para a literatura distópica e ainda surpreende pela sua audácia e visão profética.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Os Dias de Saturno

 

A minha opinião: 

Paulo Moreiras não desilude. 

Uma daqueles gostos adquiridos que deleita e sacia. 
Se de início a escrita surpreende e até atrapalha porque parece adequada mas datada e pode surgir a tentação de largar, tal seria um erro crasso. Num instante ficamos a par e naturalmente aderimos a estes vocábulos que se convertem em sinónimos bem conhecidos e não perdemos histórias que muito nos dizem e divertem. 

Arte na cozinha e arte alquímica ao serviço da Coroa Portuguesa no sec. XVIII por quimeras de ouro e vida eterna. O negro assinala o princípio da Obra. É o eclipse que tanto temor trazia. Uma viagem no tempo com humor e maravilhosas personagens e muitas peripécias e reviravoltas. O povo português sempre foi muito engenhoso.

Não desprezamos o gosto pela comida, que nesta história tem de sobra, em que mistura personagens reais e ficticias. Um livro maravilhoso que foi revisto e que merece tanto ser lido.

Autor: Paulo Moreiras
Páginas: 232
EditoraCasa das Letras
ISBN: 9789896618940
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Amor e comida são os ingredientes principais deste romance, em que o cómico e o trágico seguem lado a lado, por entre segredos, acasos e embustes, sempre na busca de quem somos. É na Lisboa do século XVIII, desmedida e faustosa, a fervilhar de vida e infestada de ratoneiros, tabernas, comédias e casas de pasto, que perambulam as personagens deste romance cheio de reviravoltas: entre elas, o poeta satírico Tomás Pinto Brandão, alfaiate dos costumes, ou o padre Rafael Bluteau, autor do Vocabulário Português e Latino; destacam-se, no entanto, o médico da corte João Curvo Semedo e o mestre cozinheiro Domingos Rodrigues, ambos secretos alquimistas e bons garfos. É certo que as suas experiências arriscadas nem sempre resultam como esperado; e agora, que o cozinheiro agoniza no leito, o seu filho adoptivo, portador de uma estranha marca de nascença, sai à procura de um velho médico e, de caminho, tropeça na rapariga dos seus sonhos... e em sarilhos.

Reflexão sobre o que a vida nos reserva de inescapável, o romance Os Dias de Saturno trata a alquimia das emoções sem nunca esquecer os prazeres da mesa. Galardoado com o Prémio Gourmand na categoria Melhor Livro de História Culinária no ano da sua publicação original, oferece-nos uma leitura realmente deliciosa e intemporal, ao estilo cuidado e imaginativo a que Paulo Moreiras já nos habituou.

Maus Hábitos

 

A minha opinião: 

Gosto mesmo muito quando um livro me surpreende.

A linguagem direta, específica, com metáforas incisivas é uma das características que define esta familia, este bairro e esta história. E esta é a história de uma pequena travesti incógnita num bairro operário. O crescimento num ambiente hostil em que procura formar a sua personalidade e identidade é assustadoramente real. ~

Um livro que vale a pena pela tremenda crítica social e pela mestria da estreante Alana S. Portero ao comer tanto e bem em tão pouco texto. Adoro ler um livro assim, que inquieta e transforma. Um livro em que que se sente a dor e onde também há lugar para a ternura, resiliência e superação. Um livro que nos afunda mas também nos ergue.

"Morre-se madrilena tal como se morre trans. Por mais que nos empenhemos em negá-lo."

"Antes de conseguirmos definir-nos, os outros desenham os nossos contornos com os seus preconceitos e as suas violências."

Autor: Alana S. Portero
Páginas: 248
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897872365
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Um desafio a corações empedernidos: assim é Maus Hábitos, a história lírica e feroz de uma menina presa num corpo de rapaz, desbravando o caminho rumo à sua identidade, à revelia de tudo e de si mesma.

«Eu, menina esperta, maricas encoberta, gaga, gorducha, com uma pala a cobrir-me o olho esquerdo e uns óculos maiores do que o desejável, era o oposto da imagem de uma pequena endiabrada […]. Quando os adultos olhavam para mim, achavam-me engraçada ou sentiam um pouco de pena, nada grave […]. Dava-me conta disso e aprendi a usá-lo a meu favor. Conseguia pensar em termos cruéis. A consciência de que necessitamos de um armário para nos escondermos torna-nos espertíssimos.»

Este romance leva-nos numa travessia pelo território mais íntimo da natureza humana — uma travessia da qual não saímos incólumes. Maus Hábitos é a história do encontro de uma pessoa consigo mesma, alguém que nasce no corpo errado, no lugar mais triste e sem futuro, num tempo desolado. Pela mão da protagonista, vamos até à sua infância em San Blas — um bairro operário suburbano e dizimado pela heroína nos anos oitenta —, passamos pela adolescência selvagem nas noites clandestinas de Madrid e chegamos ao raiar do milénio, quando a promessa de liberdade é soterrada por um episódio de insuportável violência. Contudo, das cicatrizes mais fundas há de emergir não a redenção, mas a esperança.

A Cicatriz

A minha opinião: 

"A beleza é subjectiva, característica que partilha com a dor."

Um casal jovem com uma excelente relação viaja para umas ansiadas férias no Rio de Janeiro. Assim começa esta narrativa em que à chegada apreciam a paisagem e em que ela descreve as circunstâncias e o relacionamento que tinham. O quão eram felizes. E é difícil não admirar a escrita de Maria Francisca Gama. E não sentir o drama que se avizinha em antecipação.

A fluidez desta narrativa muito realista e limitada ao que é relevante conquista de imediato com uma narradora que convence com um terrível testemunho anónimo.

Um romance que de tão bem contado faz eco no leitor. A consciência de um pequeno deslize e tudo muda.

Autor: Maria Francisca Gama
Páginas: 168
Editora: Suma de Letras
ISBN: 9789897875755
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
«Éramos felizes, verdadeiros camaradas e a âncora um do outro. Um dia o nosso barco afundou-se e nenhum dos objetos que éramos nos salvou.»

Um casal foi de férias para o Rio de Janeiro, numa viagem que prometia ser inesquecível. Depois de dias encantadores, banhados pelo sol e pelo espírito leve e sempre em festa carioca, aproveitam uma das últimas noites para irem jantar fora. Quando terminam a refeição, satisfeitos e apaixonados, decidem ir a pé para o hotel, mas não se recordam se o caminho mais perto é pela esquerda ou pela direita. Como é que a vida pode mudar tanto, apenas assim, por uma escolha irrisória?

Um relato profundo e duro, escrito na primeira pessoa, que se debruça sobre a finitude da vida, as decisões irrefletidas que a moldam e o conceito de amor eterno, com a cidade maravilhosa como pano de fundo.

A uma Hora Tão Tardia

A minha opinião: 

Gostei tanto do que li de Claire Keegan que nem hesitei quando vi este último livro e sequer li a sinopse. E mais uma vez "A uma hora tão tardia" foi um conto sucinto, preciso e avassalador. Uma preciosidade.

Eu sou o mais sintética possível no que opino porque não leio muito do que muito escrevem sobre qualquer livro. Como tal, os contos de Claire são perfeitos para mim porque se cingem ao essencial. Não há necessidade de acrescentar mais nada para todo o sentido da história nos ser perceptível e rápidamente sentido. 

Mas há mais neste pequeno livro. Mais dois contos. "A morte lenta e dolorosa" e "Antártica". Dois outros contos sobre a solidão e a decepção. Dificeis de esquecer.

Autor: Claire Keegan
Páginas: 88
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897834127
Edição: março/2024

Sinopse:
Um tríptico de histórias sobre amor, desejo, traição, misoginia e as sempre intrigantes interações entre mulheres e homens. Celebrada pelos seus contos, Claire Keegan oferece-nos três histórias que constituem uma exploração da dinâmica de género, numa trajetória entre os seus primeiros e últimos trabalhos.

Em A uma Hora Tão Tardia, Cathal enfrenta um longo fim de semana, recordando a mulher com quem poderia ter passado a vida, se tivesse agido de forma diferente. Em A Morte Lenta e Dolorosa, a chegada de uma escritora à casa à beira-mar de Heinrich Böll é perturbada por um académico que impõe a sua presença e as suas opiniões. E, em Antártida, uma mulher casada viaja para fora da cidade para descobrir como é dormir com outro homem e acaba nas mãos de um estranho possessivo.

Cada história investiga as dinâmicas que corrompem o que poderia existir entre seres humanos: a falta de generosidade, o peso das expectativas e a iminente ameaça de violência; e todas prometem permanecer na memória do leitor muito depois de fechar o livro.

A Família Caserta

 

A minha opinião:

Aurora Venturini já é imperdível com mais este romance que leio. Não será certamente do agrado de todos mas eu adoro a narrativa despudorada e mordaz em que não há lugar para coitadinhos. Tudo muito nu e cru. Sem paliativos.

Maria Micaela é a primogénita feia e sobredotada não amada pela familia e a narradora desta história. A intelectual que aprendeu o desdém. 
"A Chela, natural e primitiva na forma, profundamente culta no conteúdo, era algo impossível de suportar."

Fácil perceber que as vivências e a ficção se confundem e se dúvidas houvesse a nota preliminar esclarecia que Aurora não teve filhos devido ao medo de gerar seres monstruosos.

Vertiginoso romance que tem um efeito hipnótico. O leitor é arrastado num turbilhão com ambíguos sentimentos. Incrivel. E tão bom.

Autor: Aurora Venturini
Páginas: 248
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897872358
Edição: março/2024

Sinopse:
A história de uma família mergulhada na infâmia, narrada por uma rapariga sobredotada, com problemas emocionais: ingredientes para um romance de alta voltagem.

«De um só golpe, destruí a segunda juventude da minha mãe, talvez a única.» Assim conhecemos María Micaela Stradolini, ou Chela, protagonista inolvidável deste romance, ambientado na alta burguesia argentina dos anos 1920. A irrequieta e antissocial Chela mergulha num baú de papéis e fotografias, tesouros perdidos da sua biografia e da sua família. Ela, que nunca foi nada para ninguém e que é incapaz de se comover, até com a morte do que foi o seu grande amor, vai usar estes objetos para regressar a uma infância de menina rica e talentosa, magra demais e morena demais para o gosto da época. o retrato do que a rodeia é sombrio: a mãe, uma pianista fracassada, adora apenas Lula, a filha do meio; o pai é frio e psicologicamente violento; Lula insulta constantemente a irmã; Juan Sebastián nasce com uma deficiência profunda.

A ânsia maior de Chela é por libertação e liberdade — encontrará ambas nas viagens que faz como adulta, em busca do seu passado e do seu futuro, incluindo uma viagem à Sicília, onde encontrará, por fim, as raízes da sua singularidade.

Aurora Venturini, celebrizada pelo romance As primas, volta a mostrar-se, com um exímio equilíbrio entre sombra e luz, ironia e profundidade, como uma cronista mordaz da natureza humana. a família Caserta é mais uma brilhante exibição da verve narrativa de uma escritora que se adiantou ao seu próprio tempo.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Filhos da Chuva

A minha opinião:

Os filhos da chuva são a geração que tem que se libertar da obsessão e da culpa.

Original e criativa esta história de encantar passa-se em Domínio, uma terra onde nunca pára de chover e o tempo não condiciona ninguém. As personagens marcantes e bem definidas têm nomes que são como alcunhas que as identificam. Personagens que se dão a conhecer e que provocam reação, de empatia ou aversão numa história que nada tem de infantil.
A linguagem é rica e requintada mas escorre como água e gota não é apenas o que se dá nesta terra porque as ternas e até angustiantes imagens que projetamos como a A mãe e Filho na Fortaleza e a Muda e Amor ou Homem na Cama são muitas e cinematográficas. Bem como as de Amor e Filho. O desenlace desta trama, que peca por ser longo, tem muito que se lhe diga mas vou silenciar.

Um excelente romance de estreia.

Autor: Álvaro Curia
Páginas: 304
Editora: Manuscrito Editora
ISBN: 9789899181090
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Em Domínio, a chuva não tem fim e os relógios pararam nas cinco da tarde. Numa terra sem tempo, as vidas andam todas desencontradas. Conhecedora dos hábitos de cada um, Muda percorre as ruas, carregada de sacos, distribuindo as compras e uma réstia de normalidade. Aguarda o momento em que se cruza com o filho, Amor, um jovem que vive aprisionado numa fábula que o padrasto lhe conta desde pequeno e que mudará a sua vida para sempre. Ao largo de Domínio está a Ilha da Fortaleza, onde encontramos Mãe, mulher possessiva, que nunca deixou Filho conhecer o mundo. Mas algo fará com que ele parta e o seu caminho se cruze com o de Amor. Poderá a decisão de um alterar a vida de todos?

Um romance em que a culpa e a obsessão andam de mãos dadas com o acaso e a coragem.

O Assassinato De Roger Ackroyd

A minha opinião:

Ler li mas já foi há muito. E nem todos li que são muitos. Também vi alguns episódios ou um outro filme. O que eu recordo... Népia. Sei que são um desafio para as nossas célulazinhas cinzentas e que as minhas até trabalham qualquer coisinha mas o resultado é... Népia. O assassino escapava. De qualquer modo, ler Agatha Christie é um vício bom que não tem risco. Ora bem... Podemos ter vontade de experienciar mas lembrem-se que não há crimes perfeitos e os detalhes e as minúcias são muito relevantes.

Mais uma leitura conjunta deveras divertida para o tema "Damas do crime" com várias teorias alvitradas e... umas brilhantes deduções. O sucesso foi tal que é para repetir.

Autor: Agatha Christie
Páginas: 240
Editora: BIS
ISBN: 9789896603267
Edição: julho/2014

Sinopse:
Roger Ackroyd sabia de mais. Sabia que a mulher que amava envenenera o primeiro marido, um homem extremamente violento, e suspeitava que ela era vítima de chantagem. Agora, que as trágicas notícias sobre a morte dela apontam para suicídio por overdose, são muitas as perguntas que parecem não ter resposta.
O perplexo Ackroyd decide investigar, uma decisão que tem consequências inesperadas. Ao deparar-se com as primeiras pistas sobre o caso, Ackroyd transforma-se no novo alvo do criminoso.
O Dr. Sheppard, médico da aldeia, fala então com o vizinho, um detetive reformado que escolhera o campo para passar tranquilamente os seus últimos anos de vida. A escolha não podia ser mais acertada pois o pacato vizinho é nem mais nem menos que o formidável Hercule Poirot...

domingo, 17 de março de 2024

O Caminho do Burro


 A minha opinião:

O caminho do burro como o prólogo explica é desbravar caminho que em tempos idos o burro fazia e que um incio de escrita não deixa de ter paralelo. E desde logo adoro a ironia manifesta em tudo o que li de Paulo Moreiras. Não vi o burro mas um elegante e lindo corcel.

E se gosto da requintada e rica linguagem das narrativas de Paulo Moreiras em curtas seria imperdível, ademais quando são baseadas em histórias de tradição oral que muito boas são. Muitos mitos, crenças e superstições.

Para os que se queixam de tão pouco lerem deviam ter este livro à mão para deleite em pequenas doses que rápidamente adquiriam o hábito de ler.

Treze contos reunidos (como gosto de números impares achei perfeito) em que uns são mais longos e outros mais curtos mas todos primorosos.

Autor: Paulo Moreiras
Páginas: 187
Editora: Visgarolho Editora
ISBN: 9789895316717
Edição: novembro/2021

Sinopse:
O Caminho do Burro é uma antologia dos melhores contos escritos por Paulo Moreiras, entre 1996 e 2017, que andavam dispersos por diversas publicações, algumas hoje esquecidas ou de difícil acesso. Contos onde o picaresco e a malícia do povo português andam de braço dado com as invejas e as cobiças de gente ruim e sem escrúpulos. Uns à procura de uma vida melhor, do amor, da amizade e outros a engendrar estratagemas a fim de estragar os bons planos do vizinho. Um retrato irónico, mordaz e cheio de humor sobre as grandezas e misérias de ser português, com os seus toques de malandro, pinga-amor e desenrascado. Tudo embrulhado pela riqueza vocabular a que Paulo Moreiras já nos habituou. Contos para comer, beber e rir por mais, que assim se dizem as verdades.

Libertação

 

A minha opinião:


Sándor Márai. Quem já leu algum romance dele sabe ao que vai e não vai ao engano. E quem não, vai ficar perturbado. Sem ser exaustivo é um desassombrado que conhece o lado negro da natureza humana e o apresenta. Um analista do comportamento e relações humanas que neste romance avalia como grupo. O grupo que ataca. O grupo que se defende e protege. O grupo heterógeneo que se fecha numa cave à espera do fim da guerra e do cerco à cidade de Budapeste. 

O que conta é muito vivido e terrivel nos tempos que correm. Não gosto de ler estes temas mas se um desafio me leva a eles que seja com o sóbrio Sándor Márai.

Libertação é o título e uma palavra esmagadora como esta história.

Autor: Sándor Márai
Páginas: 200
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722079167
Edição: outubro/2023

Sinopse:
Cerco de Budapeste, dezembro de 1944. O Exército Vermelho encontra-se nas proximidades da cidade desde novembro e está prestes a conquistar a capital húngara.

Nos dias que antecedem o Natal, uma jovem mulher de vinte e cinco anos, Erzsébet, procura refúgio para o seu pai, um famoso cientista, astrónomo e matemático que é perseguido pela Gestapo e por militantes do Partido da Cruz Flechada devido às suas conhecidas simpatias liberais. Depois de o deixar em segurança num minúsculo esconderijo subterrâneo, Erzsébet refugia-se na cave do prédio em frente, juntamente com os habitantes desse e de outros prédios das redondezas. Aí permanece durante as quatro semanas que durará o cerco do Exército Vermelho a Budapeste.

Nesse submundo escuro, fétido e caótico, onde as pessoas se amontoam em colchões e as tensões estão ao rubro, Erzsébet nunca deixará de acreditar que a libertação há de vir, que os russos chegarão em breve e que tudo irá mudar. Finalmente, nas primeiras horas do dia 19 de janeiro, o primeiro soldado soviético aparece à porta do abrigo, mas nada será como Erzsébet tinha imaginado.

O Vestido de Noiva

A minha opinião:

A hora do conto. Uma hora basta para este pequeniníssimo livro. E não dei essa hora por desperdiçada, ainda que esteja desconcertada com a narrativa que mais parece um guião com cenas de muito sarcasmo. 

Branca é quem tem um vestido de noiva que quer tingido de preto. O motivo... É inesperado. Como todo aquele grupo de amigos. O final é um sucesso. Uma festa!

Autor: Filipa Leal
Páginas: 88
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897834110
Edição: dezembro/2023

Sinopse:
«— O que é isto?!
A dona da lavandaria segurou-o com cuidado, pousou-o depois no balcão.
— É o teu vestido de noiva? Que lindo!
Olhou então a vizinha e perguntou, perplexa: — Branca! Porque é que estás nua?
Branca olhou por si abaixo como se também para ela fosse uma surpresa, mas mostrou-se absolutamente indiferente:
— Porque posso.»

domingo, 10 de março de 2024

Um Quarto Só Seu

 

A minha opinião:

Muitos me falaram deste pequeno livro (de bolso), sem nunca me ter puxado porque soava a uma narrativa batida e ultrapassada. A insistência de que estaria equivocada levaram a que o comprasse e lhe desse uma oportunidade. Woolf escreve de forma clara e simplifica o que temia rebuscado ou passional. Grata pela sugestão.

"Woolf demonstra que o sexo mais do que a classe ou a raça, é uma categoria transversal que se soma a todos os outros níveis de marginalização e violência." Infelizmente, ainda não está ultrapassado e ainda que batido não mudou, como a necessidade de emancipação de uma cultura e pensamentos patriarcais.

Mulheres e ficção foi o tema que deu origem a este ensaio em que tempo/ lugar (quarto) e dinheiro (500 libras ano) parecem condições ideiais. As emoções no peso dos julgamentos e a perspectiva de superioridade pelo espelho que o patriarcado procura no olhar feminino, sem deixar de referir o desencorajamento às mulheres de génio ou os usos e costumes que as censurava em comparação com a liberdade com que o mesmo talento se pode expressar nos escritores homens é algo digno de reflexão.

Uma pequena maravilha. O futuro sem gênero.

Autor: Virginia Woolf
Páginas: 200
Editora: Penguin Clássicos
ISBN: 9789897843327
Edição: agosto/2021

Sinopse:
Em 1928, Virginia Woolf foi convidada pela Universidade de Cambridge a dar uma palestra sobre mulheres e ficção nos colégios femininos da instituição. Com a frontalidade que o tema exige, Woolf resolve, sem subterfúgios, a equação: para escrever ficção, «uma mulher tem de ter dinheiro e um quarto só seu». Dito de outro modo, tem de ser livre.

Versando sobre as condições materiais e sociais necessárias para que uma mulher possa, se assim o desejar, escrever e criar, e explorando os efeitos da pobreza ou do constrangimento sexual na criatividade feminina, Virginia Woolf ofereceu ao seu auditório e a todas as gerações que se seguiram uma reflexão provocadora e estimulante sobre a condição da mulher e a alienação social a que foi, desde a Antiguidade, sujeita num mundo dominado por homens.

Considerado um dos textos mais importantes do século XX, Um Quarto Só Seu marca um momento fundador do feminismo moderno, que devolve à esfera política uma luta antiga e justa: a da igualdade.

Na Terra dos Outros

A minha opinião:

É realmente muito bom quando se começa um livro que nos entusiasma tanto que não se consegue parar de o ler porque aquelas personagens e as suas "cenas" ficam connosco e continuamos a pensar nelas e a querer saber mais. As minhas visitas recorrentes a livrarias tem esse efeito porque há sempre algum livro que me chama a atenção e que não descanso enquanto não o leio. E com isso, vou deambulando entre leituras mas... desta vez, não vou conseguir abandonar Maria do Carmo sem conhecer toda a sua história. 
Manuel Abrantes que excelente primeiro romance!

A empatia com a Maria do Carmo que aos onze anos foi trabalhar para Lisboa como empregada interna de uma familia burguesa sem filhos e o reconhecimento das circunstâncias de um Portugal empobrecido e embrutecido no ano não muito distante de 1971 foi decisivo para me apaixonar por esta extraordinária mulher comum.

Explorada, abusada, ignorada, traída e criticada, Maria do Carmo é uma mulher como tantas outras que Manuel Abrantes recriou com mestria. A sua escrita é simples mas muito eficaz, sem desperdício de palavras e muito realista.

Sei que Maria do Carmo vai ficar comigo. Um romance trandformador. Muito, muito bom.

Autor: Manuel Abrantes
Páginas: 288
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9789897876042
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Diário involuntário, narrativa dos invisíveis, crónica de costumes, episódios da vida privada: eis a história de uma rapariga de aldeia que vai para a capital como criada de servir.

Na Terra dos Outros conta-nos a extraordinária vida de uma mulher comum: Maria do Carmo, uma de milhares de raparigas que deixaram a família e o quotidiano severo no campo e abalaram para as cidades, sozinhas, em busca de futuro.

Criadas para todo o serviço, ocupavam-se do que quer que conviesse aos patrões; muitas vezes, recebiam por paga somente cama (dura) e comida (escassa); não havia folgas, férias ou licença para sair. A Revolução de Abril, vivida dentro de portas e entre sussurros, traz grandes mudanças, embora pouco retorno, e Carmo vai reinventando os seus dias, década a década.

Com impressionante desenvoltura romanesca, este livro leva-nos do fim da ditadura às portas da atualidade, acompanhando uma emancipação ainda desigual, ainda por cumprir. A história de uma vida que se cruza com a história de um país em formação: planos adiados, desígnios perdidos, ilusões desfeitas.