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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Misericórdia

 

A minha opinião:

"Sou muito velha, sei que o encantamento deve ser conservado em seu próprio vaso, de contrário transborda e desfaz-se em nada." A história é nova e o encantamento não se desfaz, com esta personagem simples e grandiosa, de grande visão e muito acutilante. A sabedoria da maturidade e da experiência que tanto enriquece.

Ao longo da narrativa refleti sobre o título deste romance em que a força desta mulher não se queda no Hotel Paraíso, a residência geriátrica onde se encontra internada por se encontrar limitada de movimentos. "...no interior desta casa, lugar de exílio, existe um circo Mariani. Malabarismos e palhaçadas, a vida em imitação, com encontros e desencontros como numa tramoia de farsa."

Misericórdia é uma palavra que se impõe e exige respeito. Como D. Maria Albertina Nunes Amado que ainda com dificuldades não deixa de registar os seus dias e expressar as suas vontades. E que experiência de leitura enriquecedora acompanhar esta mulher com um mundo dentro de si que não se condiciona pelo espaço ou pelo tempo e cria laços com os outros que a rodeiam e com o leitor que a acarinha desde as primeiras páginas. Pequenos capítulos para compreender que a velhice e decrepitude os empurrou para o exílio em que nada lhes pertence.

Escrita suave e exemplar ao qual estou rendida nesta belíssima história.

Autor: Lídia Jorge
Páginas: 464
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722075718
Edição: Outubro/2022

Sinopse: 
Misericórdia é um dos livros mais audaciosos da literatura portuguesa dos últimos tempos. Como a autora consegue que ele seja ao mesmo tempo brutal e esperançoso, irónico e amável, misto de choro e riso, é uma verdadeira proeza.

Não são necessárias muitas palavras para apresentá-lo - o diário do último ano de vida de uma mulher incorpora no seu relato o fulgor das existências cruzadas num ambiente concentracionário, e transforma-se no testemunho admirável da condição humana.

Isso acontece porque o milagre da literatura está presente. Nos tempos que correm, depois do enfrentamento global de provas tão decisivas para a Humanidade, esperávamos por um livro assim. Lídia Jorge escreveu-o.

Doidos por Livros

 

A minha opinião:

Os dois últimos livros que li foram intensos e procurava algo... como uma comédia romântica. Divertido e nada, nada exigente e não tolo porque não tenho pachorra para lamechices ou amores adolescentes. Nada contra mas não era o que pretendia. Como que depois de um regime saudável precissasse de me lambuzar com uma extravagância muito doce.

Doidos por livros tem... Livros. Algumas referências. E disso gosto. Um bónus. E gosto dos protagonistas. 

Curioso é como brinca no enredo com os clichês, nomeadamente com as personagens-tipo. A dinâmica que prende e cumpre como devia são os divertidos diálogos do casal maravilha de protagonistas e das duas irmãs. O que não contava é que fosse um livro com mais de 400 páginas e poderia tornar-se enfadonho mas o que se vai desvendando sobre as personagens manteve a minha atenção e interesse. O final...bem...

Autor: Emily Henry
Páginas: 432
Editora: Quinta Essência
ISBN: 9789896615338
Edição: Novembro/2022

Sinopse: 
Nora vive para os livros. É agente literária e defende os seus escritores apaixonadamente.
Charlie é editor literário e tem o dom de publicar bestsellers. E é o inimigo n. º 1 de Nora.
Nora adora a sua profissão e não se imagina a viver noutro sítio que não Nova Iorque. O que ela não adora é a sua vida amorosa. Já perdeu relações suficientes por não se conformar com o papel de namorada dócil e caseira. Está farta! Por isso, quando a sua irmã, Libby, lhe propõe uma viagem a duas, Nora aceita. Sunshine Falls, uma amorosa vila na Carolina do Norte onde decorre a ação do bestseller do momento, está longe de ser o seu destino de férias ideal. Mas Libby escolheu esta radical mudança de cenário de propósito para incentivar a irmã a viver a vida de forma real e autêntica e não apenas através dos livros. Durante um mês, Libby tudo fará para que Nora seja a protagonista da sua própria história (romântica, de preferência).

Mas em vez de piqueniques em prados, encontros casuais com um atraente médico de província ou lenhador escultural, Nora está sempre a dar de caras com… Charlie, que teve a lata de rejeitar um dos seus livros, anos antes. Nora não é nenhuma heroína. Charlie está longe de ser um herói. Mas à medida que continuam a esbarrar um no outro - numa série de coincidências típicas dos melhores romances -, o que descobrem sobre si próprios supera (de longe!) a ficção.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Naufrágio

 

A minha opinião:

Gosto de um romance que seja de fácil entendimento, direto, em que a narrativa não tenha muitos subterfúgios, flua, como este romance de João Tordo. Jaime Tordelo é um homem de meia idade que sofre um bloqueio de escritor quando a doença irrompe o idílio que tinha começado com uma nova vida. Um telefonema desvenda um movimento associado a um outro maior que o tinha como protagonista. E a empatia que sentia muda na medida da percepção da história quando Alice surge na narrativa. Inquieta como um bom romance o deve fazer para conduzir à reflexão.

Naufrágio. É mesmo disso que se trata. Um afundamento. Um mergulho profundo em que não se sabe se volta à tona. E o leitor sabe o que se passou porque tem uma perspectiva privilegiada. A ignorância no desfecho prende a esta narrativa. 
Enfim... Um romance bem conseguido que não é amargo, sombrio ou denso. E é disso que gosto nos últimos romances de JT.

Autor: João Tordo
Páginas: 320
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9789897845390
Edição: Abril/2022

Sinopse: 
O novo romance de João Tordo conta-nos a história de um homem à deriva, enredado nos seus fantasmas e obrigado a enfrentar a mais terrível das acusações.

Aos sessenta anos, o romancista Jaime Toledo enfrenta vários problemas. Não escreve há uma década, foi diagnosticado com cancro e, de repente, dá por si no epicentro de um escândalo. Escritor de renome em Portugal, a polémica lança-o para o abismo - sem carreira, sem dinheiro e sem casa, com os livros a ganhar pó nos armazéns, depois de banidos pela sua editora, toma uma decisão radical: deixar tudo para trás e mudar-se para um barco decrépito, fundeado nas docas de Lisboa. É no Narcisse - um minúsculo barco mágico -, na companhia de uma velha guitarra e de um cão chamado Sozinho, que Jaime procurará devolver o sentido à sua vida, reconciliando-se com o passado: as relações conturbadas com as mulheres, o abandono da escrita, a culpa que o corrói.

Até que, um dia, a aparição de uma figura do passado mudará tudo, desviando a narrativa para um lugar inesperado. Estará nas mãos de Jaime decidir se este naufrágio é o fim ou um caminho para algo novo.

Naufrágio é um corajoso romance sobre o amor e as relações entre os sexos, uma reflexão sobre a memória e a culpa, e as linhas difusas que definem as fronteiras pessoais, sociais e morais. Através de Jaime Toledo, João Tordo traça o perfil de um homem em busca da redenção possível, num mundo mais rápido a julgar do que a refletir, e onde é mais fácil condenar do que estender a mão.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Mãe, Doce Mar

A minha opinião:

João Pinto Coelho não desilude. Os seus romances superam as minhas expectativas e por isso apresso-me a ler o que escreve. O problema é a ressaca literária que se segue.

Três personagens centrais numa narrativa autoficcionada. Um míudo que inicia a sua história quando reencontra a mãe nos EUA aos 12 anos, a própria mãe que desertara e o abandonara sem explicação e o padre jesuíta O'Leary. Três personagens enigmáticas e muito vividas, baseadas na experiência pessoal do autor num primeiro romance que se distancia do Holocausto e das vitimas. Um romance que tem a força do mar como reflexo das tempestades que os assolam. E em belas palavras se constroi grandes imagens que leio e releio enquanto cada uma se expressa na sua vez.

O final, esse continua a ser surpreendente como todos os outros. Ainda que conte com essa possibilidade, não consigo imaginar semelhantes desfechos que tanto relevo dão aos seus romances. Algo sombrio mas magnético nestas curtas vidas não cumpridas que regressam ao que deixaram.

Autor: João Pinto Coelho
Páginas: 200
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722075886
Edição: Outubro/2022

Sinopse: 
Depois de passar a infância num orfanato, Noah conhece finalmente Patience, a mãe, aos doze anos. Mas, apesar de ela fazer tudo para o compensar, nunca se refere ao motivo do abandono; e, por isso, seja na casa de praia de Cape Cod, onde passam temporadas, seja no teatro do Connecticut onde acabam a trabalhar juntos, há um caminho de brasas que teima em separá-los mas que nenhum ousa atravessar.

Quando Noah encontra Frank O’Leary - um jesuíta excêntrico que guia um Rolls-Royce às cores -, descobre nele o amparo que procurava. Mesmo assim, há coisas que o padre prefere guardar para si: os anos de estudante; o bar irlandês de Boston onde ele e os amigos se encharcavam de cerveja e recitavam poemas; e ainda Catherine, a jovem ambiciosa que não temeu desviá-lo da sua vocação.

É, curiosamente, a terrível experiência de solidão num colégio religioso o primeiro segredo que Patience partilhará com Noah; contudo, quando essa confissão se encaixar no relato do padre Frank, ficará no ar o cheiro da tragédia e a revelação que se lhe segue só pode ser mentira