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quinta-feira, 28 de março de 2024

Os Dias de Saturno

 

A minha opinião: 

Paulo Moreiras não desilude. 

Uma daqueles gostos adquiridos que deleita e sacia. 
Se de início a escrita surpreende e até atrapalha porque parece adequada mas datada e pode surgir a tentação de largar, tal seria um erro crasso. Num instante ficamos a par e naturalmente aderimos a estes vocábulos que se convertem em sinónimos bem conhecidos e não perdemos histórias que muito nos dizem e divertem. 

Arte na cozinha e arte alquímica ao serviço da Coroa Portuguesa no sec. XVIII por quimeras de ouro e vida eterna. O negro assinala o princípio da Obra. É o eclipse que tanto temor trazia. Uma viagem no tempo com humor e maravilhosas personagens e muitas peripécias e reviravoltas. O povo português sempre foi muito engenhoso.

Não desprezamos o gosto pela comida, que nesta história tem de sobra, em que mistura personagens reais e ficticias. Um livro maravilhoso que foi revisto e que merece tanto ser lido.

Autor: Paulo Moreiras
Páginas: 232
EditoraCasa das Letras
ISBN: 9789896618940
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Amor e comida são os ingredientes principais deste romance, em que o cómico e o trágico seguem lado a lado, por entre segredos, acasos e embustes, sempre na busca de quem somos. É na Lisboa do século XVIII, desmedida e faustosa, a fervilhar de vida e infestada de ratoneiros, tabernas, comédias e casas de pasto, que perambulam as personagens deste romance cheio de reviravoltas: entre elas, o poeta satírico Tomás Pinto Brandão, alfaiate dos costumes, ou o padre Rafael Bluteau, autor do Vocabulário Português e Latino; destacam-se, no entanto, o médico da corte João Curvo Semedo e o mestre cozinheiro Domingos Rodrigues, ambos secretos alquimistas e bons garfos. É certo que as suas experiências arriscadas nem sempre resultam como esperado; e agora, que o cozinheiro agoniza no leito, o seu filho adoptivo, portador de uma estranha marca de nascença, sai à procura de um velho médico e, de caminho, tropeça na rapariga dos seus sonhos... e em sarilhos.

Reflexão sobre o que a vida nos reserva de inescapável, o romance Os Dias de Saturno trata a alquimia das emoções sem nunca esquecer os prazeres da mesa. Galardoado com o Prémio Gourmand na categoria Melhor Livro de História Culinária no ano da sua publicação original, oferece-nos uma leitura realmente deliciosa e intemporal, ao estilo cuidado e imaginativo a que Paulo Moreiras já nos habituou.

Maus Hábitos

 

A minha opinião: 

Gosto mesmo muito quando um livro me surpreende.

A linguagem direta, específica, com metáforas incisivas é uma das características que define esta familia, este bairro e esta história. E esta é a história de uma pequena travesti incógnita num bairro operário. O crescimento num ambiente hostil em que procura formar a sua personalidade e identidade é assustadoramente real. ~

Um livro que vale a pena pela tremenda crítica social e pela mestria da estreante Alana S. Portero ao comer tanto e bem em tão pouco texto. Adoro ler um livro assim, que inquieta e transforma. Um livro em que que se sente a dor e onde também há lugar para a ternura, resiliência e superação. Um livro que nos afunda mas também nos ergue.

"Morre-se madrilena tal como se morre trans. Por mais que nos empenhemos em negá-lo."

"Antes de conseguirmos definir-nos, os outros desenham os nossos contornos com os seus preconceitos e as suas violências."

Autor: Alana S. Portero
Páginas: 248
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897872365
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Um desafio a corações empedernidos: assim é Maus Hábitos, a história lírica e feroz de uma menina presa num corpo de rapaz, desbravando o caminho rumo à sua identidade, à revelia de tudo e de si mesma.

«Eu, menina esperta, maricas encoberta, gaga, gorducha, com uma pala a cobrir-me o olho esquerdo e uns óculos maiores do que o desejável, era o oposto da imagem de uma pequena endiabrada […]. Quando os adultos olhavam para mim, achavam-me engraçada ou sentiam um pouco de pena, nada grave […]. Dava-me conta disso e aprendi a usá-lo a meu favor. Conseguia pensar em termos cruéis. A consciência de que necessitamos de um armário para nos escondermos torna-nos espertíssimos.»

Este romance leva-nos numa travessia pelo território mais íntimo da natureza humana — uma travessia da qual não saímos incólumes. Maus Hábitos é a história do encontro de uma pessoa consigo mesma, alguém que nasce no corpo errado, no lugar mais triste e sem futuro, num tempo desolado. Pela mão da protagonista, vamos até à sua infância em San Blas — um bairro operário suburbano e dizimado pela heroína nos anos oitenta —, passamos pela adolescência selvagem nas noites clandestinas de Madrid e chegamos ao raiar do milénio, quando a promessa de liberdade é soterrada por um episódio de insuportável violência. Contudo, das cicatrizes mais fundas há de emergir não a redenção, mas a esperança.

A Cicatriz

A minha opinião: 

"A beleza é subjectiva, característica que partilha com a dor."

Um casal jovem com uma excelente relação viaja para umas ansiadas férias no Rio de Janeiro. Assim começa esta narrativa em que à chegada apreciam a paisagem e em que ela descreve as circunstâncias e o relacionamento que tinham. O quão eram felizes. E é difícil não admirar a escrita de Maria Francisca Gama. E não sentir o drama que se avizinha em antecipação.

A fluidez desta narrativa muito realista e limitada ao que é relevante conquista de imediato com uma narradora que convence com um terrível testemunho anónimo.

Um romance que de tão bem contado faz eco no leitor. A consciência de um pequeno deslize e tudo muda.

Autor: Maria Francisca Gama
Páginas: 168
Editora: Suma de Letras
ISBN: 9789897875755
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
«Éramos felizes, verdadeiros camaradas e a âncora um do outro. Um dia o nosso barco afundou-se e nenhum dos objetos que éramos nos salvou.»

Um casal foi de férias para o Rio de Janeiro, numa viagem que prometia ser inesquecível. Depois de dias encantadores, banhados pelo sol e pelo espírito leve e sempre em festa carioca, aproveitam uma das últimas noites para irem jantar fora. Quando terminam a refeição, satisfeitos e apaixonados, decidem ir a pé para o hotel, mas não se recordam se o caminho mais perto é pela esquerda ou pela direita. Como é que a vida pode mudar tanto, apenas assim, por uma escolha irrisória?

Um relato profundo e duro, escrito na primeira pessoa, que se debruça sobre a finitude da vida, as decisões irrefletidas que a moldam e o conceito de amor eterno, com a cidade maravilhosa como pano de fundo.

A uma Hora Tão Tardia

A minha opinião: 

Gostei tanto do que li de Claire Keegan que nem hesitei quando vi este último livro e sequer li a sinopse. E mais uma vez "A uma hora tão tardia" foi um conto sucinto, preciso e avassalador. Uma preciosidade.

Eu sou o mais sintética possível no que opino porque não leio muito do que muito escrevem sobre qualquer livro. Como tal, os contos de Claire são perfeitos para mim porque se cingem ao essencial. Não há necessidade de acrescentar mais nada para todo o sentido da história nos ser perceptível e rápidamente sentido. 

Mas há mais neste pequeno livro. Mais dois contos. "A morte lenta e dolorosa" e "Antártica". Dois outros contos sobre a solidão e a decepção. Dificeis de esquecer.

Autor: Claire Keegan
Páginas: 88
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897834127
Edição: março/2024

Sinopse:
Um tríptico de histórias sobre amor, desejo, traição, misoginia e as sempre intrigantes interações entre mulheres e homens. Celebrada pelos seus contos, Claire Keegan oferece-nos três histórias que constituem uma exploração da dinâmica de género, numa trajetória entre os seus primeiros e últimos trabalhos.

Em A uma Hora Tão Tardia, Cathal enfrenta um longo fim de semana, recordando a mulher com quem poderia ter passado a vida, se tivesse agido de forma diferente. Em A Morte Lenta e Dolorosa, a chegada de uma escritora à casa à beira-mar de Heinrich Böll é perturbada por um académico que impõe a sua presença e as suas opiniões. E, em Antártida, uma mulher casada viaja para fora da cidade para descobrir como é dormir com outro homem e acaba nas mãos de um estranho possessivo.

Cada história investiga as dinâmicas que corrompem o que poderia existir entre seres humanos: a falta de generosidade, o peso das expectativas e a iminente ameaça de violência; e todas prometem permanecer na memória do leitor muito depois de fechar o livro.

A Família Caserta

 

A minha opinião:

Aurora Venturini já é imperdível com mais este romance que leio. Não será certamente do agrado de todos mas eu adoro a narrativa despudorada e mordaz em que não há lugar para coitadinhos. Tudo muito nu e cru. Sem paliativos.

Maria Micaela é a primogénita feia e sobredotada não amada pela familia e a narradora desta história. A intelectual que aprendeu o desdém. 
"A Chela, natural e primitiva na forma, profundamente culta no conteúdo, era algo impossível de suportar."

Fácil perceber que as vivências e a ficção se confundem e se dúvidas houvesse a nota preliminar esclarecia que Aurora não teve filhos devido ao medo de gerar seres monstruosos.

Vertiginoso romance que tem um efeito hipnótico. O leitor é arrastado num turbilhão com ambíguos sentimentos. Incrivel. E tão bom.

Autor: Aurora Venturini
Páginas: 248
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897872358
Edição: março/2024

Sinopse:
A história de uma família mergulhada na infâmia, narrada por uma rapariga sobredotada, com problemas emocionais: ingredientes para um romance de alta voltagem.

«De um só golpe, destruí a segunda juventude da minha mãe, talvez a única.» Assim conhecemos María Micaela Stradolini, ou Chela, protagonista inolvidável deste romance, ambientado na alta burguesia argentina dos anos 1920. A irrequieta e antissocial Chela mergulha num baú de papéis e fotografias, tesouros perdidos da sua biografia e da sua família. Ela, que nunca foi nada para ninguém e que é incapaz de se comover, até com a morte do que foi o seu grande amor, vai usar estes objetos para regressar a uma infância de menina rica e talentosa, magra demais e morena demais para o gosto da época. o retrato do que a rodeia é sombrio: a mãe, uma pianista fracassada, adora apenas Lula, a filha do meio; o pai é frio e psicologicamente violento; Lula insulta constantemente a irmã; Juan Sebastián nasce com uma deficiência profunda.

A ânsia maior de Chela é por libertação e liberdade — encontrará ambas nas viagens que faz como adulta, em busca do seu passado e do seu futuro, incluindo uma viagem à Sicília, onde encontrará, por fim, as raízes da sua singularidade.

Aurora Venturini, celebrizada pelo romance As primas, volta a mostrar-se, com um exímio equilíbrio entre sombra e luz, ironia e profundidade, como uma cronista mordaz da natureza humana. a família Caserta é mais uma brilhante exibição da verve narrativa de uma escritora que se adiantou ao seu próprio tempo.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Filhos da Chuva

A minha opinião:

Os filhos da chuva são a geração que tem que se libertar da obsessão e da culpa.

Original e criativa esta história de encantar passa-se em Domínio, uma terra onde nunca pára de chover e o tempo não condiciona ninguém. As personagens marcantes e bem definidas têm nomes que são como alcunhas que as identificam. Personagens que se dão a conhecer e que provocam reação, de empatia ou aversão numa história que nada tem de infantil.
A linguagem é rica e requintada mas escorre como água e gota não é apenas o que se dá nesta terra porque as ternas e até angustiantes imagens que projetamos como a A mãe e Filho na Fortaleza e a Muda e Amor ou Homem na Cama são muitas e cinematográficas. Bem como as de Amor e Filho. O desenlace desta trama, que peca por ser longo, tem muito que se lhe diga mas vou silenciar.

Um excelente romance de estreia.

Autor: Álvaro Curia
Páginas: 304
Editora: Manuscrito Editora
ISBN: 9789899181090
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Em Domínio, a chuva não tem fim e os relógios pararam nas cinco da tarde. Numa terra sem tempo, as vidas andam todas desencontradas. Conhecedora dos hábitos de cada um, Muda percorre as ruas, carregada de sacos, distribuindo as compras e uma réstia de normalidade. Aguarda o momento em que se cruza com o filho, Amor, um jovem que vive aprisionado numa fábula que o padrasto lhe conta desde pequeno e que mudará a sua vida para sempre. Ao largo de Domínio está a Ilha da Fortaleza, onde encontramos Mãe, mulher possessiva, que nunca deixou Filho conhecer o mundo. Mas algo fará com que ele parta e o seu caminho se cruze com o de Amor. Poderá a decisão de um alterar a vida de todos?

Um romance em que a culpa e a obsessão andam de mãos dadas com o acaso e a coragem.

O Assassinato De Roger Ackroyd

A minha opinião:

Ler li mas já foi há muito. E nem todos li que são muitos. Também vi alguns episódios ou um outro filme. O que eu recordo... Népia. Sei que são um desafio para as nossas célulazinhas cinzentas e que as minhas até trabalham qualquer coisinha mas o resultado é... Népia. O assassino escapava. De qualquer modo, ler Agatha Christie é um vício bom que não tem risco. Ora bem... Podemos ter vontade de experienciar mas lembrem-se que não há crimes perfeitos e os detalhes e as minúcias são muito relevantes.

Mais uma leitura conjunta deveras divertida para o tema "Damas do crime" com várias teorias alvitradas e... umas brilhantes deduções. O sucesso foi tal que é para repetir.

Autor: Agatha Christie
Páginas: 240
Editora: BIS
ISBN: 9789896603267
Edição: julho/2014

Sinopse:
Roger Ackroyd sabia de mais. Sabia que a mulher que amava envenenera o primeiro marido, um homem extremamente violento, e suspeitava que ela era vítima de chantagem. Agora, que as trágicas notícias sobre a morte dela apontam para suicídio por overdose, são muitas as perguntas que parecem não ter resposta.
O perplexo Ackroyd decide investigar, uma decisão que tem consequências inesperadas. Ao deparar-se com as primeiras pistas sobre o caso, Ackroyd transforma-se no novo alvo do criminoso.
O Dr. Sheppard, médico da aldeia, fala então com o vizinho, um detetive reformado que escolhera o campo para passar tranquilamente os seus últimos anos de vida. A escolha não podia ser mais acertada pois o pacato vizinho é nem mais nem menos que o formidável Hercule Poirot...

domingo, 17 de março de 2024

O Caminho do Burro


 A minha opinião:

O caminho do burro como o prólogo explica é desbravar caminho que em tempos idos o burro fazia e que um incio de escrita não deixa de ter paralelo. E desde logo adoro a ironia manifesta em tudo o que li de Paulo Moreiras. Não vi o burro mas um elegante e lindo corcel.

E se gosto da requintada e rica linguagem das narrativas de Paulo Moreiras em curtas seria imperdível, ademais quando são baseadas em histórias de tradição oral que muito boas são. Muitos mitos, crenças e superstições.

Para os que se queixam de tão pouco lerem deviam ter este livro à mão para deleite em pequenas doses que rápidamente adquiriam o hábito de ler.

Treze contos reunidos (como gosto de números impares achei perfeito) em que uns são mais longos e outros mais curtos mas todos primorosos.

Autor: Paulo Moreiras
Páginas: 187
Editora: Visgarolho Editora
ISBN: 9789895316717
Edição: novembro/2021

Sinopse:
O Caminho do Burro é uma antologia dos melhores contos escritos por Paulo Moreiras, entre 1996 e 2017, que andavam dispersos por diversas publicações, algumas hoje esquecidas ou de difícil acesso. Contos onde o picaresco e a malícia do povo português andam de braço dado com as invejas e as cobiças de gente ruim e sem escrúpulos. Uns à procura de uma vida melhor, do amor, da amizade e outros a engendrar estratagemas a fim de estragar os bons planos do vizinho. Um retrato irónico, mordaz e cheio de humor sobre as grandezas e misérias de ser português, com os seus toques de malandro, pinga-amor e desenrascado. Tudo embrulhado pela riqueza vocabular a que Paulo Moreiras já nos habituou. Contos para comer, beber e rir por mais, que assim se dizem as verdades.

Libertação

 

A minha opinião:


Sándor Márai. Quem já leu algum romance dele sabe ao que vai e não vai ao engano. E quem não, vai ficar perturbado. Sem ser exaustivo é um desassombrado que conhece o lado negro da natureza humana e o apresenta. Um analista do comportamento e relações humanas que neste romance avalia como grupo. O grupo que ataca. O grupo que se defende e protege. O grupo heterógeneo que se fecha numa cave à espera do fim da guerra e do cerco à cidade de Budapeste. 

O que conta é muito vivido e terrivel nos tempos que correm. Não gosto de ler estes temas mas se um desafio me leva a eles que seja com o sóbrio Sándor Márai.

Libertação é o título e uma palavra esmagadora como esta história.

Autor: Sándor Márai
Páginas: 200
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722079167
Edição: outubro/2023

Sinopse:
Cerco de Budapeste, dezembro de 1944. O Exército Vermelho encontra-se nas proximidades da cidade desde novembro e está prestes a conquistar a capital húngara.

Nos dias que antecedem o Natal, uma jovem mulher de vinte e cinco anos, Erzsébet, procura refúgio para o seu pai, um famoso cientista, astrónomo e matemático que é perseguido pela Gestapo e por militantes do Partido da Cruz Flechada devido às suas conhecidas simpatias liberais. Depois de o deixar em segurança num minúsculo esconderijo subterrâneo, Erzsébet refugia-se na cave do prédio em frente, juntamente com os habitantes desse e de outros prédios das redondezas. Aí permanece durante as quatro semanas que durará o cerco do Exército Vermelho a Budapeste.

Nesse submundo escuro, fétido e caótico, onde as pessoas se amontoam em colchões e as tensões estão ao rubro, Erzsébet nunca deixará de acreditar que a libertação há de vir, que os russos chegarão em breve e que tudo irá mudar. Finalmente, nas primeiras horas do dia 19 de janeiro, o primeiro soldado soviético aparece à porta do abrigo, mas nada será como Erzsébet tinha imaginado.

O Vestido de Noiva

A minha opinião:

A hora do conto. Uma hora basta para este pequeniníssimo livro. E não dei essa hora por desperdiçada, ainda que esteja desconcertada com a narrativa que mais parece um guião com cenas de muito sarcasmo. 

Branca é quem tem um vestido de noiva que quer tingido de preto. O motivo... É inesperado. Como todo aquele grupo de amigos. O final é um sucesso. Uma festa!

Autor: Filipa Leal
Páginas: 88
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897834110
Edição: dezembro/2023

Sinopse:
«— O que é isto?!
A dona da lavandaria segurou-o com cuidado, pousou-o depois no balcão.
— É o teu vestido de noiva? Que lindo!
Olhou então a vizinha e perguntou, perplexa: — Branca! Porque é que estás nua?
Branca olhou por si abaixo como se também para ela fosse uma surpresa, mas mostrou-se absolutamente indiferente:
— Porque posso.»

domingo, 10 de março de 2024

Um Quarto Só Seu

 

A minha opinião:

Muitos me falaram deste pequeno livro (de bolso), sem nunca me ter puxado porque soava a uma narrativa batida e ultrapassada. A insistência de que estaria equivocada levaram a que o comprasse e lhe desse uma oportunidade. Woolf escreve de forma clara e simplifica o que temia rebuscado ou passional. Grata pela sugestão.

"Woolf demonstra que o sexo mais do que a classe ou a raça, é uma categoria transversal que se soma a todos os outros níveis de marginalização e violência." Infelizmente, ainda não está ultrapassado e ainda que batido não mudou, como a necessidade de emancipação de uma cultura e pensamentos patriarcais.

Mulheres e ficção foi o tema que deu origem a este ensaio em que tempo/ lugar (quarto) e dinheiro (500 libras ano) parecem condições ideiais. As emoções no peso dos julgamentos e a perspectiva de superioridade pelo espelho que o patriarcado procura no olhar feminino, sem deixar de referir o desencorajamento às mulheres de génio ou os usos e costumes que as censurava em comparação com a liberdade com que o mesmo talento se pode expressar nos escritores homens é algo digno de reflexão.

Uma pequena maravilha. O futuro sem gênero.

Autor: Virginia Woolf
Páginas: 200
Editora: Penguin Clássicos
ISBN: 9789897843327
Edição: agosto/2021

Sinopse:
Em 1928, Virginia Woolf foi convidada pela Universidade de Cambridge a dar uma palestra sobre mulheres e ficção nos colégios femininos da instituição. Com a frontalidade que o tema exige, Woolf resolve, sem subterfúgios, a equação: para escrever ficção, «uma mulher tem de ter dinheiro e um quarto só seu». Dito de outro modo, tem de ser livre.

Versando sobre as condições materiais e sociais necessárias para que uma mulher possa, se assim o desejar, escrever e criar, e explorando os efeitos da pobreza ou do constrangimento sexual na criatividade feminina, Virginia Woolf ofereceu ao seu auditório e a todas as gerações que se seguiram uma reflexão provocadora e estimulante sobre a condição da mulher e a alienação social a que foi, desde a Antiguidade, sujeita num mundo dominado por homens.

Considerado um dos textos mais importantes do século XX, Um Quarto Só Seu marca um momento fundador do feminismo moderno, que devolve à esfera política uma luta antiga e justa: a da igualdade.

Na Terra dos Outros

A minha opinião:

É realmente muito bom quando se começa um livro que nos entusiasma tanto que não se consegue parar de o ler porque aquelas personagens e as suas "cenas" ficam connosco e continuamos a pensar nelas e a querer saber mais. As minhas visitas recorrentes a livrarias tem esse efeito porque há sempre algum livro que me chama a atenção e que não descanso enquanto não o leio. E com isso, vou deambulando entre leituras mas... desta vez, não vou conseguir abandonar Maria do Carmo sem conhecer toda a sua história. 
Manuel Abrantes que excelente primeiro romance!

A empatia com a Maria do Carmo que aos onze anos foi trabalhar para Lisboa como empregada interna de uma familia burguesa sem filhos e o reconhecimento das circunstâncias de um Portugal empobrecido e embrutecido no ano não muito distante de 1971 foi decisivo para me apaixonar por esta extraordinária mulher comum.

Explorada, abusada, ignorada, traída e criticada, Maria do Carmo é uma mulher como tantas outras que Manuel Abrantes recriou com mestria. A sua escrita é simples mas muito eficaz, sem desperdício de palavras e muito realista.

Sei que Maria do Carmo vai ficar comigo. Um romance trandformador. Muito, muito bom.

Autor: Manuel Abrantes
Páginas: 288
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9789897876042
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Diário involuntário, narrativa dos invisíveis, crónica de costumes, episódios da vida privada: eis a história de uma rapariga de aldeia que vai para a capital como criada de servir.

Na Terra dos Outros conta-nos a extraordinária vida de uma mulher comum: Maria do Carmo, uma de milhares de raparigas que deixaram a família e o quotidiano severo no campo e abalaram para as cidades, sozinhas, em busca de futuro.

Criadas para todo o serviço, ocupavam-se do que quer que conviesse aos patrões; muitas vezes, recebiam por paga somente cama (dura) e comida (escassa); não havia folgas, férias ou licença para sair. A Revolução de Abril, vivida dentro de portas e entre sussurros, traz grandes mudanças, embora pouco retorno, e Carmo vai reinventando os seus dias, década a década.

Com impressionante desenvoltura romanesca, este livro leva-nos do fim da ditadura às portas da atualidade, acompanhando uma emancipação ainda desigual, ainda por cumprir. A história de uma vida que se cruza com a história de um país em formação: planos adiados, desígnios perdidos, ilusões desfeitas.

Caro Michele

 

A minha opinião:

Caro Michele é uma narrativa epistolar em que se conhece as personagens. E se de início se estranha porque o destinatário destas missivas, Michele, o filho que fugiu, é o resultado de uma familia disfuncional, por outro, estas personagens têm estreitos laços que os torna profundamente humanos e que torna esta narrativa muito apelativa. Personagens em que "há a impressão que todos temos uma arte subtil para criar situações desesperadas, que ninguém pode resolver e que não nos permitem prosseguir nem para a frente nem para trás." E é isso mesmo. Personagens solitárias, destrambelhadas e tontas mas em a " respirar nada mais do que a própria solidão, e então, nessa parte de nós, cada um pode pôr-se no" lugar e compreender.

Não é o livro que mais gostei da Natalia porque não é um livro luminoso e é um dos últimos que escreveu sobre relações familiares nos anos setenta. Um livro triste que nos remete para o luto.

Autor: Natalia Ginzburg
Páginas: 152
Editora: Relógio D'Água
ISBN: 9789897834219
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Natalia Ginzburg conta-nos a história de um filho perdido, Michele, que deixou a família para se casar num país distante e que, após uma vida desordenada, haverá de morrer em circunstâncias pouco claras. O leitor conhece a vida de Michele através das cartas que este recebe da sua mãe, da irmã Angelica e de alguns amigos. O cenário da obra é a cidade de Roma no início dos tumultuosos anos 70.

Reatando com a narrativa epistolar, Natalia Ginzburg aborda a relação entre gerações e a proximidade e a distância do que é essencial em qualquer relação humana. A clareza e a ambiguidade da escrita de Natalia Ginzburg afirmam-se em Caro Michele, publicado originalmente em 1973.

sexta-feira, 8 de março de 2024

O Homem Que Era Quinta Feira

A minha opinião:

Eu estou a ficar velh... idosa, ou melhor, clássica. Este livro não era o meu gênero, se não fosse uma sugestão de um clube de leitura e se não me tentasse o fora da caixa/ de mim.

O primeiro problema é que não sei que gênero de livro é este. Distopia, comédia romance, fantasia. Pesadelo é o mais adequado. De realista é que nada tem. Também não podia porque o livro é de 1908 e remonta a uma época de cavalheiros e anarquistas.

O segundo problema é que este delirante livro é muito divertido e pertinente com algumas questões morais e filosóficas que dão que pensar. 

A narrativa começa com uma bizarra discussão entre duas personagens que se envolvem num fascinante duelo verbal. Lucien Gregory e Gabriel Syme representam o caos e a ordem. O anarquista e o polícia. 

E entretanto como leitora fiquei presa nesta burlesca e animada narrativa que mais parece uma banda desenhada, em que nada é o que parece mas faz todo o sentido.

A aventura conspirativa de uma organização anarquista em que cada membro de topo tinha o nome de código de um dia da semana. O temido presidente era o Domingo, e o vencedor do duelo... o quinta-feira.

O terceiro problema é decifrar o quebra cabeças deste jogo de equívocos e paradoxos. Um livro que parece simples e é complexo. Brilhante.

Autor: G.K. Chesterton
Páginas: 160
Editora: Publicações Europa-América
ISBN: 9789721058132
Edição: junho/2007

Sinopse:
Esta extravagância hilariante presume a existência de uma sociedade secreta de revolucionários que juraram destruir o mundo.

Existem sete membros do Concelho Central Anárquico que, por razões de segurança, se auto-intitulam com os nomes dos dias da semana. Mas o desenrolar dos acontecimentos lança a dúvida sobre a sua verdadeira identidade, pois Quinta-Feira não é o apaixonado poeta que dizia ser mas sim um detective da Scotland Yard.

Chesterton faz a acção avançar bem à sua maneira inventiva e exuberante e depois usa este pesadelo de paradoxo e surpresa para sondar os mistérios do comportamento e das crenças humanas.

Mais Cedo Secará a Terra

 

A minha opinião:

"Mais cedo secará a terra" é uma história de familias, de sangue, de honra, de amor à terra, ambição, liberdade e matriarcado. Personagens fortes e de têmpera numa grande história de época em que as inimizades eram duradouras. Um grande livro de quatrocentas páginas que se lê com entusiasmo e sem querer perder os acontecimentos que envolvem aquelas personagens, mesmo as mais odiosas ou fracas. E claro, um romance que tem ardentes paixões. Quintas é aquela personagem justiceira que nos mantêm em suspense e marca a viragem na história. A que mais gostei.

As personagens femininas desta narrativa são incríveis e escritas por um homem como Fernando J. Múñez que teve uma figura incomensurável como a sua avó. 

"Mais cedo secaria toda a terra do que permitiria a desolação dos seus e das estirpes que estavam para vir".

Autor: Fernando J. Múñez
Páginas: 404
Editora: Singular
ISBN: 978-989-789-033-8
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Uma história perfeita para nos emocionarmos e refletirmos sobre a importância das nossas raízes e do amor ao lugar a que pertencemos.
Galiza, 1845
André de Castronavea está radiante por regressar para junto da sua família e à casa onde nasceu, mas o seu maior desejo é rever a sua tia Iria, pouco mais velha do que ele, meia-irmã do seu pai. O reencontro dos dois liberta sentimentos até então aprisionados, e a relação proibida torna-se cada vez mais difícil de conter.
Enquanto isso, Dom Isidro Ordás, um empresário implacável de Ponferrada, abriu minas nas terras dos Castronaveas, iniciando um conflito com o patriarca Dom Dositeu, que preside a uma família marcada pelo seus próprios conflitos e segredos.
A luta pelo controlo da terra, o legado de Dom Dositeu e o inevitável confronto com os Ordás revelam como os laços familiares podem ser uma bênção ou uma condenação, levando a traições dolorosas, corações dilacerados e sacrifícios que exigem sangue, coragem e um amor inabalável.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Paradaise

A minha opinião:

Fernanda Melchor é uma excelente contadora de histórias de suspense de que não se quer perder palavra.

"Paradaise" é justamente o que Polo nao conhece, principalmente depois da morte do avê e do desaparecimento do primo Milton. A frustação e a miséria fazem dele um jovem rancorosamente silencioso que, convive mal com a obsessão do "gordo" pela vizinha do condomínio "Paradaise" onde trabalha como jardineiro. E esta convivência é realmente uma descida aos infernos que, se acompanha com esta extraordinária personagem odiosa mas compreensível.

O alcoolismo e o abandono num crescendo que desagua em violência. E que, não é nada mais nem nada menos do que a alternativa possível num circuito fechado. Brilhante curta narrativa. 

Autor: Fernanda Melchor
Páginas: 136
Editora: Elsinore
ISBN: 9789897876639
Edição: fevereiro/2024

Sinopse:
Polo, um adolescente nascido no meio da pobreza e da violência, vê-se obrigado a servir os ricos e a ser explorado pelo seu odioso patrão como jardineiro num condomínio de luxo chamado Paradise - pronuncie-se Paradaise, situado na margem oposta do rio que divide a localidade mexicana de Progreso, onde vive. Aí conhece o obeso e solitário Franco, filho de um advogado influente, com quem estabelece uma amizade momentânea, regada a álcool, cigarros, baboseiras e fantasias.

Viciado em pornografia, Franco alimenta uma obsessão por uma vizinha, a atraente senhora Marián, casada com uma celebridade da televisão. Num dos seus encontros junto ao cais, longe dos olhares dos guardas e dos residentes do condomínio, Franco e Polo engendram um plano macabro para finalmente obter, sem olhar a meios, o que julgam merecer.

Descrito pela crítica como uma descida ao Inferno, Paradaise, a mais recente obra da autora de Temporada de Furacões, é um romance de leitura contagiante, escrito numa prosa certeira, sobre uma sociedade fraturada pela raça, a classe e a misoginia, à mercê da banalidade da violência e da complexidade do mal.