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domingo, 23 de novembro de 2014

RECOMEÇAR

Autor: María Dueñas
Edição: 2014/ novembro
Páginas: 440
ISBN: 9789720047052
Editora: Porto Editora

Sinopse: 
Recomeçar atravessa fronteiras e épocas para nos falar de perdas, coragem, segundas oportunidades e reconstrução. Uma história luminosa que desenrola intrigas imprevistas, amores entrecruzados e personagens cheias de paixão e humanidade.
Blanca é professora, com uma carreira consolidada, dois filhos jovens. A braços com o fracasso do seu casamento, decide deixar a sua atual vida para trás e ruma a Santa Cecília, na Califórnia, com a missão de organizar o espólio deixado por Andrés Fontana à Universidade; fechada num sótão sombrio, Blanca vê- se a braços com uma tarefa aparentemente hercúlea e cinzenta, mas que acabaria por revelar-se uma empreitada emocionante.

Amores cruzados, certezas e interesses silenciados que acabam por vir à tona, viagens de ida e volta entre Espanha e EUA, entre o presente e o passado de duas línguas e dois mundos em permanente reencontro.

Três anos depois da publicação de O Tempo entre Costuras, volto a bater à porta dos leitores com a história e a voz de uma mulher. Uma mulher contemporânea, cuja estabilidade, aparentemente invulnerável, se desvaneceu no ar. Chama-se Blanca Perea e decidiu fugir.
Maria Dueñas

A minha opinião: 
Quando comentei com um grupo de amigos que lera este livro, procuraram saber a minha opinião comparando com o "bestseller" anterior da autora. Infelizmente não posso fazer o paralelo porque não li "O tempo entre Costuras".  Foi contudo, devido ao eco desse romance que li "Recomeçar".  Por experiência própria sei que por vezes isso é um mau prenuncio.  

Recomeçar é um tributo às segundas oportunidades. 
A luz e a sombra da essência humana. 
Num dia mau deixaram de ser amadas. Perante o abandono e a incerteza, face ao desamor e à crueza irreversível da realidade, defenderam-se como puderam e batalharam com as armas que tinham ao seu alcance. Com boas ou más artes, com o que o intelecto, as vísceras ou o puro instinto de sobrevivência puseram à mão. A distribuição foi sempre arbitrária, a ninguém foi dado escolher, e há quem assuma e avance e quem fique a ruminar o ressentimento como uma pastilha elástica amarga que, passado décadas, ainda tem sabor.  
"(...) o amor é volúvel, estranho e arbitrário, privado de compreensão e racionalidade."  
(adaptação de fragmento retirado da pag. 427)

Blanca lutou durante vinte e cinco anos. Viu crescer os filhos, esteve perto do companheiro, construiu um lar e quando sentiu que "a vida caiu-lhe aos pés com o peso e o frio de uma bola de chumbo" partiu para longe para recomeçar. Não encontrou nem rasto do cenário californiano a que as séries televisivas e o imaginário colectivo nos habituaram, mas empenhou-se em tirar Andrés Fontana das trevas.  

Duas histórias que se cruzam quando tentam reconstruir o passado a partir dos testemunhos escritos e o que restava através da memória de Daniel, como duas versões diferentes do mesmo: a carne e os ossos face ao legado intelectual. 

Bem construído e com uma linguagem sóbria, elegante - irrepreensível, esta narrativa tinha tudo para agradar, mas uma letra miudinha e muitas páginas para atingir o âmago das personagens e o seu percurso, torna-a uma leitura exigente e por vezes cansativa, perdendo assim o fôlego e a concentração. Contudo, creio que vale a pena partir à descoberta porque é uma leitura subjectiva.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Família Sogliano

Autor: Sveva Casati Modignani
Edição: 2014/ setembro
Páginas: 384
ISBN: 9789720046871
Editora: Porto Editora

Sinopse: 
É um fim de dia de maio quando na residência setecentista da família Sogliano, toca o telefone. A família está reunida para o jantar: Orsola, mulher de Edoardo, os cinco filhos do casal, a sogra, Margherita, e as suas duas filhas. Estão todos à espera de Edoardo. É Orsola quem atende, e toma conhecimento, através da voz formal de um polícia, da morte do marido num acidente de automóvel. O golpe é tremendo: trinta anos de amor despedaçados num instante. Mas Orsola não pode saber que aquela mágoa avassaladora se vai transformar em breve numa dor ainda mais profunda, no momento em que descobre uma série de fotografias recentes do marido na companhia de um bonito rapazinho de olhos amendoados, que assina: «O teu filho Steve».

A partir deste início fulgurante, Sveva conta-nos a história daquela família ligada à indústria do coral nos últimos dois séculos. A história de Orsola - uma mulher livre e independente de Milão; de Edoardo - o herdeiro da mais importante família do coral de Torre del Greco, mas também a história de Margherita - uma mulher do sul, orgulhosa e de coração generoso.
Uma vez mais, Sveva Casati Modignani envolve o leitor numa história apaixonante de uma grande família, entre amores, luzes e sombras, alegrias e sofrimentos, sucessos e falhanços, tendo como pano de fundo um ambiente tão insólito quanto fascinante e pouco conhecido: o mundo do coral, essa matéria-prima que nos encanta há milhares de anos.

A minha opinião: 
Sveva Casati Modignani é uma "velha" conhecida minha, considerando que li todos os seus livros em português. Muito criticada pelos apreciadores de literatura mais séria, tem uma vertente idealista e romântica que me encanta. É marcadamente feminista e defende o valor das mulheres como matriarcas. Mulheres que apesar das suas origens, qualquer que seja a sua classe social, são fortes, determinadas e batalhadoras, assegurando o seu destacado lugar na família, na sociedade e na carreira, sem perder a feminilidade, independência e sensualidade. Mulheres que conquistam privilégios inalcançaveis para a maioria, como um conto de fadas moderno.  

Mais uma vez, cumpriu. Orsola e Margherita são as personagens principais que em pequenos capítulos contam todos os episódios relevantes nas suas vidas e na sua família. Uma saga familiar no mundo do coral na Torre del Greco em Itália. 

O coral foi a grande aventura dos Sogliano, sinónimo de beleza, fantasia e arte, bem como fonte de preocupações. Durante anos, tinha significado ornamental mas também de superstição. Os Sogliano enriqueceram dignamente. Com a morte súbita de Edoardo unem-se, apesar das suas diferentes personalidades com diferentes sensibilidades e maturidade para acolherem Steve, jovem e desamparado sem o apoio dos humildes avós chineses e da mãe que penosamente reconstruíra a sua existência. 

Um romance que li com deleite. Um valor seguro e encantatório, como se nos levasse pela mão enquanto é contada uma história, recuando ao passado sempre que necessário para melhor nos dar a conhecer as personagens. 

Um prazer de ler!

sábado, 8 de novembro de 2014

Terra de Milagres

Autor: João Felgar
Edição: 2014/ setembro
Páginas: 280
ISBN: 9789897241680
Editora: Clube do Autor

Sinopse: 
Júlia é costureira numa aldeia do interior português. Na mesma terra, vivem as suas filhas Leta Mirita e Adelaide. A primeira vive um casamento infeliz, depois de se ter entregado a um homem que lhe prometeu «uma vida bonita». Quanto a Adelaide, só ela sabe o que se passa entre as paredes do quarto que partilha com Antero, seu marido.

Numa noite de temporal o rio invade a aldeia, destrói a ponte que a liga ao resto do mundo, e leva consigo os seis filhos varões de Adelaide. Quando as águas do rio se acalmam, Luzia de Siracusa, filha de Adelaide, vive os seus primeiros arrebatamentos místicos. A fama de santa e milagreira corre veloz, e dá origem a um culto popular que atrai à aldeia multidões de peregrinos e devotos, indiferentes à hostilidade que o fenómeno inspira às autoridades eclesiásticas.

Ódios e cumplicidades entrelaçam-se com os comportamentos e hábitos do nosso tempo e da nossa terra. Uma terra onde por trás de um segredo se esconde sempre outro, e onde nem os milagres são o que parecem.

A minha opinião: 
Uma boa amiga recomendou e emprestou-me este livro. Mesmo para quem tanto lê, livros há que se destacam. Este é, sem dúvida imperdível. Uma excelente prenda de Natal, podem crer! (Não, não conheço o autor.) Um livro para ler e reler e olhar para dentro de nós.

Para além da inegável qualidade da escrita ao contar com segurança e sem hesitações uma história tão absurdamente portuguesa com a fé e o fanatismo no comando das operações naquela pequena comunidade isolada do mundo por uma ponte que ruiu, temos uma galeria de personagens com sentir e sensibilidade feminina, admiráveis e impressionantes. Força, coragem e determinação, mas também medo, dor e solidão. Segredos, medo e ambição de Adelaide, que toma as rédeas do poder e a quase todos verga. Comandante de um pequeno exército que treinou com o intuito de a proteger, e ocultar um tenebroso segredo, que a sua cega e desmedida ambição  e vaidade não queria revelado.

Os acontecimentos precedem-na e Julia, Leta Mirita, Gualter e Agripina vão descobrir o enigma de um bébé que nasceu na noite da tragédia na colónia dos leprosos.

Leitura voraz e pasma que não se esquece. Tanto para discutir e sublinhar nas palavras sábias de Júlia. Luzia de Siracusa, uma não personagem no cerne da trama.

Tenho um reparo a fazer, que não diminui o meu apreço por esta obra que aplaudo, mas que não posso deixar de referir. Uma gralha com um nome de um dos gémeos que se repete inclusive na mesma página onde surge como Constante e Clemente.

E mais não conto, obrigatório ler. Obrigado Cristina Delgado.

AÇO

Autor: Silvia Avallone
Edição: 2014/ julho
Páginas: 368
ISBN: 9789896265960
Editora: Esfera dos Livros

Sinopse: 
Uma história sobre amizade de duas adolescentes e a dificuldade em crescer num mundo sem esperança.



Não é fácil crescer na rua Stalingrado, na cidade siderúrgica de Piombino, no litoral da Toscana, por debaixo da sombra da imponente fábrica de aço. Ter 14 anos num ambiente social degradado, demasiado duro, junto a realidades incómodas como a violência, a droga, a delinquência… e, principalmente, a total ausência de ilusões, complica ainda mais a adolescência de Francesca e Anna.

Mas estas duas jovens não estão dispostas a baixar os braços e a dar-se por vencidas. Têm como arma a sua beleza exuberante, a sua sexualidade, e a vitalidade que a juventude lhes confere, e estão prontas a ultrapassar todos os obstáculos, para lutar pelos seus sonhos. 
Silvia Avallone, que surpreendeu Itália e comoveu a Europa com esta obra aclamada pela crítica, transporta-nos até a uma Itália industrial e periférica, para retratar a história de uma amizade intensa entre duas jovens que procuram desesperadamente a sua identidade. Com mestria e sinceridade, a autora capta as contradições da nossa época e da nossa economia, onde reina a falta de esperança e de perspetivas e os dramas dos jovens actuais. 
Um livro actual, polémico, arrojado e duro como o Aço. Contudo, absolutamente comovente. Aço ensina aos jovens o valor da amizade e do amor e aos adultos, quem são e o que pensam, verdadeiramente os seus filhos.

A minha opinião: 
Frio e duro como aço.  Realidade fria e dura como a liga metálica que algumas personagens desta história criavam na fábrica próxima daquele bairro social, onde todos viviam em condições humanas limites. 


Os sonhos e a amizade era o elo que resistia a tudo naquele ambiente agreste e poluído, apesar da praia que os jovens desfrutavam e da ilha de Elba ali tão perto. Uma fuga ao sofrimento, à pobreza, violência doméstica, droga, prostituição, em suma, a uma vida fragmentada e tão diferente dos sonhos que fervilhavam no interior de cada uma destas personagens. Anna e Francesca simbolizam o que de mais puro e belo vibrava naquele cenário e eram admiradas e desejadas, enquanto alegremente mantinham aquela ligação como o ferro e o carbono que unidos são um só - AÇO. A sexualidade, e o desejo que desponta nos corações daquelas jovens que se completavam, provoca um afastamento doloroso. 

Numa linguagem crua seguimos o dia-a-dia destes jovens e das suas famílias. Não é uma leitura fácil e tranquila, mas perturbadora e inquietante que nos obriga a olhar de frente para o que normalmente viramos a cara para não encarar. Não há fuga possível com esta leitura. 

Recomendo para quem procura uma leitura séria e lúcida, sem devaneios românticos e felizes.