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domingo, 30 de julho de 2023

Lugar para Dois

A minha opinião: 

Não sei se é comum mas eu tenho um método próprio. Ou seja, começo a ler alguns (2,3,4) livros que me interessam e dou seguimento ao que me agarra. 
Prioridade. Um romance que me arrebate com uma boa história, personagens incriveis e uma belissima escrita. Um romance que seja difícil parar de ler.  E se o recente Os flamingos também sonham foi bom, Lugar para dois superou. Talvez por não desmerecer as expectativas criadas. A dinâmica do Daniel e da Julieta em Moçambique recuando a 1964 é divertidamente terno. A Nora e o Trinta e um são um presente. Sem esquecer Juma. A culpa é o grande tema deste romance sobre um homem brilhante que perdeu num estúpido momento. Mas Lugar para dois estava assinalado num tronco de embondeiro e destinado.

Um livro que fui lendo em voz alta para melhor apreciar as palavras. Ouvir não apenas as musicas alusivas que acompanham intercalando (inclui códigos que podem ser lidos por um telemóvel) mas a musicalidade das palavras. E com um ambiente próprio, místico, que tem um forte apelo aos sentidos. Excepcional. Não sei como o não descobri antes.
Autor: Miguel Jesus
Páginas: 240
Editora: Casa das Letras
ISBN: 9789896608859
Edição: agosto/2020

Sinopse:
Depois do sucesso da inauguração do Metropolitano de Lisboa, Daniel Stoffel, responsável financeiro do projeto, parece poder escolher o futuro que quiser. Porém, a morte da filha num acidente estúpido enche-o de uma culpa que de não se consegue libertar.

Desfeito o casamento, começa a afundar-se na bebida, até que um amigo lhe sugere que deixe Portugal, onde tudo aconteceu, e tente recomeçar a vida noutro lugar. Instala-se, então, num lugar recôndito de Moçambique, onde uma velha negra o ajuda nas tarefas domésticas e lhe leva jornais que o põem a par dos movimentos independentistas das Colónias e das mudanças por que a Metrópole vai passando.

Apesar da vontade de ficar sozinho, o frondoso embondeiro que o protege da curiosidade alheia tem uma frase riscada no tronco que parece traçar-lhe um destino diferente, insistindo na paternidade que lhe estava destinada. E, por mais que Daniel a renegue, é nesse caminho que poderá encontrar o próprio perdão.

Belo, duro, mágico e ternurento - com uma banda sonora exclusiva e um toque africano no colorido das palavras e das paisagens -, Lugar para Dois é um romance excecional sobre a culpa, o amor e aquilo que ainda tem para dar quem julga que, afinal, já perdeu tudo.

As Malditas

A minha opinião: 

Como é que um livro tão pequeno pode ser tão impactante. Cada frase é um abanão.
Extraordinariamente bem escrito. Sucinto e direto.
Gosto de um livro que marca. Este dificilmente se esquece.

Autor: Camila Sosa Villada
Páginas: 240
Editora: BCF Editores
ISBN: 9789895339822
Edição: agosto/2022

Sinopse:
A atitude inabalável, revolucionária, exemplar, desta irmandade de travestis malvistas, mal-amadas, maltratadas, mal pagas, mal avaliadas, mal-afamadas foi a origem deste livro, e é essa a alquimia que percorre as suas páginas: a transformação da vergonha, do medo, da intolerância, do desprezo e da incompreensão em prosa de qualidade.

Porque As Malditas é um relato de infância e um ritual de iniciação, um conto de fadas e de terror, um retrato de grupo, um manifesto político, uma recordação explosiva, uma visita guiada à imaginação fulgurante da sua autora e uma crónica única que vem polinizar a literatura.

No seu ADN convergem as duas facetas do mundo trans que mais repelem e assustam a boa sociedade: a fúria travesti e a festa de ser travesti. E na sua voz literária convergem as três partes da Santíssima trindade de Camila: a parte Marguerite Duras, a parte Wislawa Szymborska e a parte Carson McCullers.

As Mães

 

A minha opinião: 

As mães é o romance de estreia de Brit Bennett. E não A outra metade, ainda que tenha saído primeiro em português. A mestria narrativa encontramos em ambos. Subtil, prosaica, segura e envolvente. Personagens carismáticas e muito humanas vão se revelando aos poucos numa trama muito bem urdida.

A narradora é um jovem de dezassete anos com uma inteligência acima da média. E Luke. As vidas que tiveram após uma breve relação abreviada por uma gravidez dão muito que pensar neste dúo que se acarinha. E há as outras mulheres. As mães. Mulheres vividas que põem a discriminação em perspectiva. O mais importante são as escolhas que se fazem com os segredos que se guarda. Audrey bem o sabe.

Autor: Brit Bennett
Páginas: 328
Editora: Alfaguara Portugal
ISBN: 9789897848711
Edição: maio/2023

Sinopse:
O romance de estreia de Brit Bennett, autora do fenomenal a outra metade e herdeira da tradição literária norte-americana firmada por James Baldwin, Toni Morrison e Chimamanda Ngozi Adichie.

Sobre o pano de fundo de uma comunidade afro-americana marcada pela religião, no Sul da Califórnia, As Mães conta uma história comovente e perspicaz sobre amor e ambição. Tudo começa com um segredo: «Todos os bons segredos têm um determinado sabor antes de os contarmos, e, se tivéssemos demorado mais algum tempo a degustá-lo, teríamos porventura reparado na acidez típica de um segredo ainda por amadurar, colhido cedo demais, rapinado e propagado antes do tempo certo.»

Nadia Turner está no fim do liceu e é uma adolescente rebelde, angustiada, muito bonita. Imersa no luto após o suicídio da mãe, envolve-se com Luke, um rapaz um pouco mais velho, filho do pastor da comunidade. São miúdos, não é nada sério. Mas desse romance resultará um segredo com um impacto duradouro. Pouco depois, Nadia abandona a terra natal, para forjar uma vida só sua.

Os anos passam. Já adultos, Nadia, Luke e Aubrey, a melhor amiga, ainda vivem no rescaldo da escolha que fizeram naquele Verão à beira-mar, enredados num estranho triângulo amoroso e perseguidos pela dúvida: como seria agora, se tivessem, então, feito uma escolha diferente?

Numa prosa encantatória e desafiante, As Mães revela que as escolhas que seguimos deixam marca até ao fim.


Café Kanimambo


A minha opinião: 

Não é o primeiro livro de Fernando Ribeiro mas é o primeiro que leio. A escrita é escorreita e boa, a linguagem brejeira num pequeno livro carregado de suspense e tensão para um tema negro. Infame. Os demonios que acompanham algumas personalidades. Uns visiveis e outros ocultos. Acutilante e perverso por focar os malefícios, sem deixar de ser lúcido ainda que ficcional. Num país a sério havia justiça. Num país a sério sabíamos que o mal não é ficcão. Nem foi... E sabemos como devia acabar. Sem os demonios à solta. 
Original. Mistico. Ou realismo mágico. O que sei é que inquieta. Marca.

Autor: Fernando Ribeiro
Páginas: 144
Editora: Suma de Letras
ISBN: 9789897846090
Edição: maio/2023

Sinopse:
Tudo é Kanimambo

Num verão de que não há memória na Lagoa de Albufeira, Vítor Batista (ex-futebolista caído em desgraça e alcoólico), o Doutor Paulo (um deputado da nação que tenta esconder um segredo obscuro), o Senhor Braz (dono de uma loja de brinquedos em Benfica, que podia ser feliz, mas não consegue) e o Raça (um operador de máquinas com um sonho simples), quatro homens com pouco em comum, veem-se, contra todas as expectativas, subitamente envolvidos numa espiral de sexo, vergonha, castigo, justiça popular, crimes sexuais, homens e demónios.

Entre o thriller e a narrativa hardcore, Café Kanimambo, segundo romance de Fernando Ribeiro, é a confirmação do autor como uma das vozes mais acutilantes e provocadoras da nova ficção nacional, num livro perturbante que não deixará ninguém indiferente.

O Castelo do Barba-Azul

A minha opinião: 

Todas falam do sucesso do momento e deixam passar ao lado o melhor. Melchor Marín. E não é preciso ler a trilogia completa para perceber a trama em torno dele. Basta ler este extraordinário thriller policial com personagens absolutamente credíveis e empáticas numa narrativa que normaliza os comportamentos e que até o autor com os seus anteriores livros fazem parte da narrativa. Afinal, Terra Alta e Independência é que deram a conhecer este ex-criminoso justiceiro, filho de uma prostituta, herói ao eliminar terroristas, ex-policial a quem assassinaram a mulher e pai bibilotecário para a Cosette.

Se iniciei com alguma reserva, depois de ler Independência, rapidamente ultrapassei e quedei-me rendida a Melchor nesta cruzada contra o Mal e o novo Barba Azul em Maiorca. Imperdível.

Autor: Javier Cercas
Páginas: 336
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03649-0
Edição: abril/2023

Sinopse:
Anos depois dos acontecimentos relatados em Independência, Melchor Marín deixou a polícia: trabalha como bibliotecário e vive com a filha, Cosette, agora adolescente. Certo dia, a jovem descobre que o pai lhe ocultou as circunstâncias da morte da mãe, o que a deixa revoltada. Passado pouco tempo, parte de férias para Maiorca, mas não regressa. Também não responde às mensagens do pai, nem atende as suas chamadas. Convencido de que algo grave aconteceu a Cosette, Melchor decide ir procurá-la. É então que o romance se transforma num labirinto absorvente, ao mesmo tempo sinistro e luminoso, que leva Melchor a perceber que os seres humanos são tão capazes do pior como do melhor, que vivemos rodeados de violência, mentiras, abusos de poder e cobardias, embora também ainda exista quem seja capaz de arriscar tudo em nome do que é justo.


Astuto e disfarçado de romance de aventuras, O Castelo do Barba-Azul confirma os livros de Terra Alta como o projeto literário mais ambicioso de Javier Cercas.

Perder-se

 

A minha opinião: 

Diário intímo de uma paixão clandestina com um diplomata russo. A diferença de idades e os diferentes códigos culturais. Angústia, vazio, medo, cíume e anseio. O sentir e a interpretação. O real e o imaginado. A sexualidade associada à dor num ciclo vicioso que se repete com outro antagonista. A solidão, o envelhecimento e a depressão. Tudo isto numa escrita insinuosa e pungente em que o título o define. Perder-se.

Autor: Annie Ernaux
Páginas: 272
Editora: Livros do Brasil
ISBN: 978-989-711-149-5
Edição: junho/2023

Sinopse:
Confessar: nunca desejei nada senão o amor. E a literatura.

Perder-se revela o diário íntimo mantido por Annie Ernaux durante o ano e meio em que viveu uma relação intensa e secreta com um diplomata russo, mais jovem, casado, que a deixou à beira da obsessão. Conhecem-se em setembro de 1988. Annie está divorciada, tem dois filhos crescidos, mora nos arredores de Paris e acaba de fazer quarenta e oito anos. Sem conseguir trabalhar num novo livro e desempenhando automaticamente as tarefas banais do dia a dia, é a expectativa da visita daquele homem que lhe ocupa os pensamentos. Quando tudo acaba, sem um gesto de despedida, restam-lhe os sonhos – e a escrita. Esta é a relação retratada em Uma Paixão Simples, aqui exposta através de apontamentos mais imediatos e sem artifícios, que põem a nu toda a vulnerabilidade de uma mulher perdida de amor e de desejo.

Leme

 

A minha opinião: 

Mais um livro de que muitos falam. E que eu tenho vindo a adiar ler. Violência doméstica não é um tema que eu preze, ademais não ficção. Contudo, atraia-me. E percebia a sua pertinência, quando o referido tema está longe de estar arredado da realidade como maleita social e familiar, quantas vezes oculta e negada. Sabia que era um exercício de memória e catarse. A Madalena o refere no capítulo 8 com uma frase de Hemingway "Escreve de forma dura e clara sobre o que doí."

Pequenos capítulos em que abundam frases curtas. Soltos apesar de lhes ter procurado dar ordem, como um exercício de escrita em que se tenta organizar e arrumar mas com um critério muito próprio em que alguns tópicos são recorrentes, como a evasão na leitura. 

Neste registo compacto e conciso lê-se rápidamente. Sem subterfúgios, de direta compreensão. Ambivalente.

Autor: Madalena Sá Fernandes
Páginas: 168
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9789897849596
Edição: maio/2023

Sinopse:
A história crua de uma relação tóxica. Uma narrativa que não deixa pedra sobre pedra nos pilares da resiliência de uma criança subjugada ao negro poder do seu padrasto.

Leme é o relato da vivência de uma rapariga que assiste, durante anos, à erosão dos pilares que sustentam as ligações humanas: vê a mãe subjugada à violência do homem com quem mantém uma relação amorosa disfuncional; vive na pele a distorção dos papéis desempenhados por pais e filhos; alimenta-se da solidão para ultrapassar um quotidiano de medo e fúria; disputa um lugar só para si no meio do caos familiar; aprende a reconhecer o consolo das pequenas vitórias; e, por fim, reconstrói-se a si e às suas memórias.


Nenhuma criança conhece de antemão os nomes das coisas, mas todas as crianças reconhecem instintivamente o perigo. Para a protagonista desta história, o perigo tem o nome de um homem, e é sinónimo de obsessão, desequilíbrio, solidão, desamparo, poucas certezas e muitas dúvidas. Leme é um golpe de escrita para regressar à vida. Uma cintilação plena de vida e um soco no escuro que nos engole: eis um livro que aponta diretamente aos limites do bem e do mal.

A Vida Airada de Dom Perdigote

 

A minha opinião: 

Façam o favor de ler este livro e de o oferecer muito neste verão porque é qualquer coisa de espetacular (e eu não sou de elogios à toa) mas como é que eu não conhecia este livro???

Aliás, nesta larga comunidade de leitores poucos conhecem. Eu não vi partilhas mas preciso de óculos para ver ao perto.

Novela picaresca reinventada. Divertimento inteligente porque a linguagem e a escrita deste não pequeno livro é sublime. Paulo Moreiras tem arte e sabe. E um humor refinado ao qual se junta as minudências que colecionou e que são um verdadeiro tesouro numa boa história. A sua biblioteca emocional é digna de registo. 
Li e reli devagar para bem o apreciar.

Autor: Paulo Moreiras
Páginas: 430
Editora: Casa das Letras
ISBN: 9789896616090
Edição: fevereiro/2023

Sinopse:
Por ocasião do baptizado do filho varão, Felipe III de Espanha e II de Portugal promove festejos imperdíveis na cidade de Valladolid, sede da Corte e capital do império. E, se para aquele umbigo do mundo - onde desaguam todos os vícios, velhacarias e vilanias - concorrem nobres e ladrões, damas e rameiras, será mais do que certo que, depois de um périplo por Badajoz, Sevilha, Trujillo ou Toledo, siga também para lá Tanganho Perdigão Fogaça, conhecido por Dom Perdigote, a fim de cumprir o seu destino.

Mas nem tudo se apresenta de feição a este espadachim nascido no ano em que morre Camões; claro que, entre as muitas peripécias vividas, encontra o amor da sua vida e conhece o pintor El Greco, o escritor Quevedo e até o autor do Quixote; porém, será envolvido na tentativa de assassinar um dramaturgo que integra a embaixada inglesa, enviada para ratificar a paz entre as duas nações. Quem o irá salvar?

Na senda do seu romance de estreia - A Demanda de Dom Fuas Bragatela, aplaudido entusiasticamente pelo público e pela crítica -, Paulo Moreiras regressa ao género pícaro, em que é mestre, para nos oferecer uma obra-prima de rigor e divertimento que já fazia falta à nossa literatura. Sublime.

A Criada

 

A minha opinião: 

Não há muito mais a dizer sobre este livro que já não tenha sido dito, uma vez que todos o lêem este verão. É realmente um bom thriller que não se consegue parar de ler e que rápidamente se termina. As personagens convencem o leitor e se parecem demais é porque o leitor vai ter um baque. Todas surpreendem. E isso é o que faz dele um sucesso. E...o intímo desejo de vingança (não é bonito mas com monstros espera-se mais do que justiça) cumpre.
O problema é que sabe a pouco. E falta o próximo thriller porque há mais.

Autor: Freida McFadden
Páginas: 336
Editora: Alma dos Livros
ISBN: 9789895701124
Edição: junho/2023

Sinopse:
Por trás de cada porta, ela consegue ver tudo.

«Bem-vinda à família», diz Nina Winchester enquanto me cumprimenta com a sua mão elegante e bem cuidada. Sorrio educadamente e olho para o longo corredor de mármore.

Este emprego caiu-me do céu. Talvez seja a minha última oportunidade para mudar de vida. E o melhor de tudo é que aqui ninguém sabe nada acerca do meu passado. Posso esconder-me e fingir ser aquilo que eu quiser. Infelizmente, não tardo a descobrir que os segredos dos Winchester são muito mais perigosos do que os meus…

Todos os dias limpo a bela casa dos Winchester de cima a baixo, vou buscar a filha deles à escola e cozinho uma deliciosa refeição para toda a família antes de subir e comer sozinha no meu quarto minúsculo no sótão.

Tento ignorar a forma como Nina gera o caos só para me ver limpar. Como conta histórias inverosímeis sobre a filha. E como o seu marido, Andrew, parece cada dia mais destroçado. Quando o vejo, e àqueles belos olhos castanhos tão tristes, é difícil não me imaginar no lugar de Nina. Com o marido perfeito, a roupa chique, o carro de luxo. Um dia, experimentei um dos seus vestidos só para ver como me ficava. Mas ela percebeu... e foi aí que descobri porque é que a porta do meu quarto só trancava pelo lado de fora...

Se sair desta casa, será algemada.
Devia ter fugido enquanto podia. Agora, a minha oportunidade desapareceu. Agora que os polícias estão na casa e descobriram o que está no andar de cima, não há volta atrás.
Estão a cerca de cinco segundos de me ler os direitos. Não sei muito bem porque não o fizeram ainda. Talvez esperem induzir-me a dizer-lhes algo que não devia.
Boa sorte com isso.

O polícia com o cabelo preto raiado de grisalho está sentado ao meu lado no sofá. Muda a posição do seu corpo entroncado sobre o cabedal italiano cor de caramelo queimado. Pergunto-me que tipo de sofá terá em casa. Não um, certamente, com um preço de cinco dígitos como este. Provavelmente de uma cor foleira como laranja, coberto de pelo de animais de estimação e com mais do que um rasgão nas costuras. Pergunto-me se estará a pensar no seu sofá em casa e a desejar ter um como este.Ou, mais provavelmente, está a pensar no cadáver lá em cima no sótão.

Os Flamingos Também Sonham

A minha opinião: 

Um livro que surpreende. 
Não sei o que esperava mas foi a sinopse que me tentou. A música é um bonus com os 12 temas audíveis recorrendo a um QR Code Reader. Original e brilhante. 

Dylan é um livreiro numa pequena localidade na Escócia à beira do lago Ness, filho de um irlandês protestante marcado após um domingo a 30 de janeiro de 1972. Elena foi para aquele lugar para descansar e escrever mas há um passado para superar. Numa prosa boa e desembaraçada, acompanhada de música, visualizamos o que o Miguel nos quer contar com um sorriso nos lábios porque é fácil gostar destas personagens, mesmo quando um jackpot de oitenta e cinco milhões destabiliza a população local. Arthr é a personagem mistério maldita que engrandece esta história. O que aprendemos dele? 
Tão bom ser surpreendida a cada página.

Autor: Miguel Jesus
Páginas: 320
Editora: Casa das Letras
ISBN: 9789896617387
Edição: junho/2023

Sinopse:
Depois de um fenómeno natural ter destruído o castelo e a estrada para o Lago Ness, Dunlochry procura por melhores dias. Eis senão quando corre a notícia de que dois boletins com um autêntico jackpot foram registados justamente na pacata vila escocesa. O acontecimento ganha especial dimensão quando os dias passam e ninguém aparece para reclamar o prémio.


Só Dylan - um irlandês esmagado pela imagem opressora do pai e dono do estabelecimento que vendeu a sorte grande - sabe quem ganhou, mas a ética impede-o de partilhar a informação, mesmo com Elena Gilbert, a conhecida jornalista de televisão a quem pediram que fizesse a reportagem e por quem Dylan se apaixonou.


Porém, à medida que a ansiedade dos habitantes se vai transformando em violência e pressão - e que Elena regressa a Londres -, Dylan, que, tal como um flamingo, teme perder a cor se abandonar o seu habitat, só pode contar com Arthur Hilliard, um velho escritor que apareceu misteriosamente em Dunlochry e se tornou um dos seus melhores clientes. Só que Arthur já carrega o peso dos próprios segredos...


Com um ritmo trepidante e muito cinematográfico, mantendo o suspense até à última página, Os Flamingos Também Sonham vem confirmar Miguel Jesus como um ficcionista extremamente dotado e original.

Nessa Altura Já Cá Não Estamos

A minha opinião: 

Nessa altura já cá não estamos é um romance em torno de uma casa de férias no campo. Trinta anos depois é colocada à venda e um dos elementos da familia decide ficar com ela. A casa é o cenário deste enredo. Um enredo feito de memórias, nostalgia e sentimentos. "A nossa vida é mais do que o rio que percorre as paredes de uma casa".

A personagem principal narra a história de vida, principalmente o que viveu naquela casa e quando volta à infância usa a terceira pessoa do singular enquanto o presente é contado na primeira pessoa. Como se aquela menina fossem todas as meninas que tiveram uma infância feliz. As memórias são transversais. 

Muito bem escrito. Um livro muito sensorial e visual mas um tanto lento. O desfecho é surpreendente. 

Autor: Lola Mascarell
Páginas: 224
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722077330
Edição: junho/2023

Sinopse:
Quando sabe que os pais puseram à venda a moradia onde passou férias durante a infância e a adolescência, a protagonista deste romance sente que lhe arrancam metade da vida. E as coisas pioram quando aparece um comprador. Recusando-se a perder a casa para um estranho, ela consegue adiar a venda e pede um empréstimo ao banco. E, enquanto aguarda o veredicto, instala-se na moradia, tentando aproveitar ao máximo aqueles que podem ser os seus últimos dias dentro dela. São recordações felizes as que lhe chegam sempre que abre uma gaveta ou desarruma um caixote: o seu grupinho de amigas, as tardes na piscina, as anedotas que o pai contava à mesa, as quedas de bicicleta, o primeiro namorado, as primeiras mentiras… Mas há também um inesperado segredo de família que se encontra estranhamente ligado ao destino que a casa terá em breve.

Este é um romance maravilhoso sobre as alegrias e as dores da juventude, narrado alternadamente por uma voz luminosa e fresca e outra adulta e desesperada. Como disse o grande escritor espanhol Luis Landero, poucas vezes foi tão bem evocado num livro o mundo da infância, com as suas incertezas, os seus terrores e as suas manias. Só por isso, já valeria a pena ler este romance. Mas, claro, há muito mais.

Kramp

A minha opinião: 

Uma pequena novela que se lê numa hora. Simples e bela. E cheia de simbolismos. Metáforas da vida. Afinal, é narrada por M. uma criança de sete anos que durante dois anos acompanhou o pai, D., como caixeiro-viajante numa formação pedagógica "sistemática". Irónico, triste, doce e lúcido, transporta o leitor através da visão do mundo daquela criança. Maravilhoso.

Autor: Maria José Ferrada
Páginas: 144
Editora: Questão Pentagonal
ISBN: 9789893502815
Edição: abril/2023

Sinopse:
Uma menina acompanha o seu pai, um caixeiro-viajante, pelo Chile, vendendo ferragens da marca Kramp, e elaborando toda uma teoria poética e filosófica sobre o mundo, construída na fronteira entre a ingenuidade e a sabedoria, através de metáforas criadas a partir dos produtos que vende, dos filmes que vê, dos fantasmas da ditadura, e do contacto social e cultural com um mundo em ruptura, interna e externa.

Um livro maravilhoso, vencedor dos prémios do Círculo de Críticos de Arte, do Ministério da Cultura e do município de Santiago do Chile.

Camila

A minha opinião: 

Gostei do título, ou melhor, do nome da personagem desta história. E de gostar de gatos. O Gaspar. E parti sem expectativas mas curiosa. Camila é uma mulher desamparada que tem que trabalhar muito por já ter perdido tanto. Sabe que a exploram e numa linguagem sem filtro julga os que a rodeiam. Cru retrato social.

Romance visceral que poderia ser banal mas que dificilmente se esquece. Comovente sem nada de lamechas. Atual e desconcertante porque vemos o lado sombra de várias existências que cruzam fugazmente nesta narrativa em breves capítulos. Muito bom e impossível de largar. Ainda não o pousei e já sei.

Autor: Manuel António Araújo
Páginas: 234
Editora: Visgarolho Editora
ISBN: 9789893505014
Edição: maio/2023

Sinopse:
Uma mulher de 40 anos, que ninguém lhos dava, vive cuidando de pessoas velhas com ou sem Alzheimer. Num incêndio florestal insurge-se com Miguel que acha o incêndio lindo. E assim se conheceram.
Caminharam rua abaixo a discutir o incêndio. Comeram orelha de porco e beberam vinho da cor do sangue na única taberna da aldeia. Não mais se largaram.

Camila preferia enrolar cigarros do que os comprar já enrolados.
Também havia um gato e as loucuras dela por causa do gato. Dizia meu e foda-se por tudo e por nada. Ambos tinham, contudo, um gosto comum. Gostavam de escritores argentinos. Ela de Alejandra Pizarnik, ele de Jorge Luis Borges.

Entre os dois uma história improvável de amor acontece.
Finalmente, havia Ana. Antes de Camila.
Antes de Camila havia um lobo mau que se alimentava da dor que infligia a Ana.
Chegou Camila e o lobo mau foi-se tornando no lobinho das estepes. Porque se transformou?
Um psiquiatra, impiedosamente, explicou-lhe a causa da transformação.

Mrs. March

A minha opinião: 

Adoro quando um romance me arrebata desde as primeiras páginas. Um fenómeno que se justifica pela qualidade da escrita e o brilhantismo da narrativa. Mrs. March é uma personagem peculiar. Obcecada. Neurótica. E o último romance do marido expôs a máscara que ela tanto se esforçara por usar em sociedade. E é inevitável lembrar Mrs. Winter, de Rebecca (que também não tinha nome próprio) pela aura de mistério e suspeição que cerca a segunda mulher do famoso escritor. Uma mulher que também temia Martha, a empregada. E poderia parecer pouco original mas as semelhanças ficam por aí porque a história segue noutro sentido. Uma mulher priveligiada que se vê confrontada com uma mancha na casa de banho e se sente aviltada. 

A neblina silenciosa da indiferença é o tema subliminar. A falta de amor. Tanto neste romance visual que tem a atmosfera e personagens de Hitchcock. Doentiamente viciante. Romance de estreia. Uau!

Autor: Virginia Feito
Páginas: 336
Editora: Alfaguara
ISBN: 9789897848704
Edição: junho/2023

Sinopse:
Um romance de estreia engenhosamente perturbador, povoado de mistérios e escrito com assinalável domínio narrativo: Virginia Feito entretece o virtuosismo de Patricia Highsmith com o génio de Virginia Woolf, e afirma-se como uma grande escritora.

George March acaba de publicar um novo romance cujo sucesso é retumbante. Entre todos os que gravitam em torno do escritor, não há ninguém mais orgulhoso do que Mrs. March, esposa solícita, sempre pronta a festejar os êxitos do marido e a usufruir do estilo de vida sofisticado que ele lhe proporciona. Criatura de rotinas e recato, Mrs. March compraz-se na sua vida requintada, num bairro de classe alta em Nova Iorque.

Todas as manhãs no Upper East Side começam de forma igual, com a visita diária à sua confeitaria preferida, para comprar pão de azeitonas. Até que, numa dessas visitas, Mrs. March é confrontada, pela empregada da confeitaria, com uma absoluta indignidade: a suposição de que a protagonista do novo livro de George March - uma patética trabalhadora sexual, que inspira mais escárnio do que desejo - se baseia na própria Mrs. March.

Um único comentário será suficiente para privar Mrs. March do seu pão de azeitonas, mas também da convicção de que sabia tudo sobre o marido, e até sobre si mesma. Começa aqui uma espiral de suspeitas e inquietações cada vez mais paranóicas, que talvez venha a revelar um misterioso assassínio e certos segredos do passado de Mrs. March, há muito enterrados.

Romance de Verão

 

A minha opinião: 

Ler em conjunto. A proposta deste mês era Romance de Verão, o que me pareceu adequado e alinhei. E gostei. A experiência de ler assim é divertida porque como costumo afirmar ler é sempre subjetivo e as diferentes perspectivas e expectativas podem dar chacota. Admito que esperava um livro levezinho e idílico que se lê sem inquietações e quase sem pensar. Curiosamente dei por mim a apreciar e a cruzar com alguns casos reais quando a January após a morte do pai descobre que ele tinha outra companheira. O conforto que os livros de final feliz lhe davam desapareceu.

A picardia entre as duas personagens é a parte divertida deste romance. Um romance de verão que não é tolo. Dois escritores que rivalizam desde a faculdade e que se reencontram numa crise. Bons diálogos com personagens empáticas que convencem. Gostei.

Autor: Emily Henry
Páginas: 368
Editora: Quinta Essência
ISBN: 9789896614102
Edição: junho/2022

Sinopse:
January é uma escritora romântica e uma otimista por natureza. Augustus é um escritor literário indiferente ao amor e frio por opção. Mas January e Gus têm em comum mais do que pensam. Ambos estão: Falidos. Paralisados por bloqueios criativos. Obrigados a escrever bestsellers antes que o verão acabe. A morar ao lado um do outro.

O resultado? Uma aposta para trocar de género literário e ver quem é publicado primeiro.

Durante o verão, Augustus vai escrever uma história feliz, enquanto January vai escrever o próximo Grande Romance Americano.
O risco? Ao contarem as histórias um do outro, as suas vidas poderão ficar viradas do avesso. Mas ela vai levá-lo em visitas de pesquisa dignas de um filme de Hollywood, e ele vai detestar. E ele vai apresentá-la a sobreviventes de um culto mortífero no meio do nada (obviamente) e ela vai ficar indiferente. Certo? Ambos terminarão os seus livros e ninguém se apaixonará. A sério. Mesmo a sério. É isso que vai acontecer. (…)

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Os Senhores do Tempo

 

A minha opinião: 

Os Senhores do Tempo é um romance dentro do romance. Duas tramas interligadas e separadas por mil anos que se passaram no mesmo espaço fisico, Vitoria. De vez em quando há alguém a matar nesta cidade e há quem não goste de impunidade. O conde Don Vela é o investigador do misterioso romance que lhe dá título.
O profiler Unaí Lopez de Ayala continua imbatível e magnético depois de O silêncio da cidade branca e Os rituais da água, casado com Alba e "pai" da pequena Deva em mais um thriller que vicia. Ora, o entusiasmo afasta o cansaço e o sono com as muitas peripécias e crimes com modus operandi medieval que arrepia. 

A Eva G. Sáenz de Urturi arrebata com um thriller intenso que não consigo antecipar e personagens que adoro. 

Autor: Eva G. Sáenz de Urturi
Páginas: 544
Editora: Lua de Papel
ISBN: 9789892357973
Edição: junho/2023

Sinopse:
Os habitantes de Vitoria, uma das mais belas cidades do País Basco, estão apaixonados por um romance misterioso, escrito sob pseudónimo e intitulado Os Senhores do Tempo. É uma obra macabra, que narra uma série de crimes hediondos passados na Idade Média…


Acontece que os crimes narrados nas páginas do livro começam a ser replicados na vida real. E Kraken, o célebre profiler e inspetor da polícia, não tem mãos a medir: há uma morte por envenenamento provocada pela mosca espanhola (o nome dado ao Viagra medieval), outra por emparedamento (também seguindo costumes ancestrais) e por fim um corpo é atirado ao rio num barril, juntamente com um galo, um cão, um gato e uma cobra.


Enquanto investiga, Kraken acaba por se cruzar com o senhor da torre de Nograro, uma casa fortificada habitada há mais de mil anos por sucessivos varões primogénitos da família, todos com graves transtornos de personalidade. E descobre também que há estranhas relações entre o bestseller medieval e o seu próprio passado, que regressa para o atormentar.


Embora possa ser lido à parte dos outros volumes, Os Senhores do Tempo é o terceiro e último capítulo da Trilogia da Cidade Branca, que fez de Eva G. Sáenz de Urturi uma das mais lidas escritoras espanholas.