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domingo, 31 de janeiro de 2016

Uma Vida à Sua Frente

Autor: Romain Gary
Edição: 2011
Páginas: 184
ISBN: 978-989-676-035-9
Editora: Sextante Editora,Lda

Sinopse:
Uma vida à sua frente é narrado por Mohammed, um rapaz árabe de 14 anos, órfão, que vive no bairro pobre de Belleville com Madame Rosa, prostituta reformada e sobrevivente de Auschwitz.

A minha opinião:
A minha opinião é pouco importante porque este livro publicado em 1975, teve êxito imediato: vendeu milhões de exemplares em todo o mundo, foi traduzido em mais de vinte línguas e adaptado para o cinema num filme com Simone Signoret. Nesse mesmo ano, recebeu o Prémio Goncourt. 

Perante isto, é de ler. Mais uma vez, uma boa amiga  o recomendou e emprestou. E assim se fazem as coisas. Obrigado Cristina Delgado.

Uma romance para quem tem necessidade de se imiscuir mais e mais em vidas fictícias que se desenvolvem enquanto folheamos as páginas do livro e nos deparamos com um miúdo muçulmano criado por uma judia idosa com outras crianças em idênticas circunstancias (dificuldades), e que assim  descreve a sua vida:

"Explique-lhes que a Madame Rosa era uma antiga puta que tinha regressado enquanto deportada nos lares judeus na Alemanha e que tinha aberto uma casa clandestina para filhos de puta que se podem chantangear com perda dos direitos de paternidade por prostituição ilícita e que se vêem obrigadas a esconder os miúdos, porque há vizinhos sacanas e que podem sempre fazer uma denuncia à Assistência Publica.(...) com a Madame Rosa em estado de abstinência e o meu pai que matara a minha mãe porque era psiquiátrico... E a minha mãe chamava-se Aicha e defendia-se com... e tinha até vinte serviços por dia, antes de ser morta numa crise de loucura, mas nao era certo que eu era hereditário."                         (pag. 144)

Solidariedade, solidão, velhice, sofrimento, abandono e amizade, num prédio que é uma pequena comunidade e onde diferentes pessoas convivem em harmonia e respeito e tudo isto visto pelos olhos de uma criança que interpreta e conta à sua maneira. Sem preconceitos ou tabus.

Ler para crer. E tanto para pensar.

Um prazer de ler.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Thérèse Desqueyroux

Autor: François Mauriac
Edição: 2015/ fevereiro
Páginas: 128
ISBN: 9789896232016
Editora:  Cavalo de Ferro

Sinopse:
«Thérèse Desqueyroux, órfã de mãe, educada por um pai ateu no «orgulho de pertencer à elite humana», tentou, falsificando receitas médicas, envenenar Bernard, seu marido, um ser respeitável mas frio, obtuso. Para preservar a família do escândalo, este último, grande proprietário das Landes, depôs a seu favor no tribunal; o caso de Thérèse foi declarado improcedente…»

Romance inspirado em factos de crónica que chocaram a sociedade da época e marcaram profundamente o autor (prémio Nobel François Mauriac), ao ponto de nunca mais abandonar a sua personagem, Thérèse Desqueyroux, por muitos apenas comparável a Madame Bovary, é considerada uma das obras mais significativas e intemporais da literatura do século XX.

A minha opinião:
Raramente leio grandes romances como este de 1927 que, apesar de sobejamente conhecidos e apreciados impõem uma leitura mais atenta. A linguagem por ser mais elaborada e rica pode ser um obstáculo,  mas neste romance a carga emocional e a densidade psicológica são os elementos chaves que prendem e perturbam o leitor. 

Uma mulher inteligente e culta como Thérèse sente-se desesperada quando todas as suas expectativas são defraudadas com o casamento e a maternidade. Quase por acaso inicia um esquema para assassinar o marido que depõe a seu favor, não por amor mas por valores que determinam a sua liberdade depois de muito sofrimento. 

O mais curioso é perceber o temor e desdém que as suas capacidades provocam nos mais próximos como o marido Bernard e a cunhada Anne.  

Inquietante e sombrio retrato de uma mulher que se contextualiza com brilhantismo, como só acontece num grande romance que perdura no tempo.   

domingo, 17 de janeiro de 2016

A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te

Autor: Rosa Montero
Edição: 2015
Páginas: 176
ISBN: 978-972-0-04712-0
Editora: Porto Editora

Sinopse:
Quando Rosa Montero leu o diário que Marie Curie começou a escrever depois da morte do marido, sentiu que a história dessa mulher fascinante era também, de certo modo, a sua. Assim nasceu A ridícula ideia de não voltar a ver-te: uma narrativa a meio caminho entre a memória pessoal da autora e as memórias coletivas, ao mesmo tempo análise da nossa época e evocação de um percurso íntimo doloroso. 

São páginas que falam da superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo, da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.

Um livro libérrimo e original, que nos devolve, inteira, a Rosa Montero de A Louca da Casa - talvez o mais famoso dos seus livros.

A minha opinião:
Fazer parte de um grupo de leitura abriu os meus horizontes. Uma experiência que recomendo, mesmo para os mais introvertidos e antisociais (que não é de todo o meu caso), pela possibilidade de encontrar empatia literária e não só, e assim descobrir tantos autores que de outro modo nos estariam vedados. Apenas porque estando ao nosso alcance não os iríamos ver e este seguramente seria para mim um dos casos. 

A vida de Marie Curie (e Pierre) fascina mas nunca me dispus a ler sobre esta mulher que ganhou dois prémios Nobel num tempo em que as mulheres não tinham visibilidade e eram alvo de discriminação. Mas não se trata apenas da paixao de Marie pelo seu trabalho mas pelo marido Pierre, e o processo de luto e de dor com a sua morte, em paralelo com o da autora com a morte de Pablo. O diário desvenda uma faceta mais humana e não menos relevante desta extraordinária mulher .

Não conhecia a escrita de Rosa Montero e nas primeiras vezes que ouvi falar sobre este livro fiquei relutante porque o tema não me atraia, mesmo que afirmassem ser um livro luminoso e nada deprimente com interessantes e validas consideraçoes sobre a vida e os afectos, mas só depois de o ler percebi. A escrita é coloquial e torna-nos cúmplices dos segredos de alma destas mulheres, comuns a um género e nunca expressas com esta clarividência e naturalidade. 

Gostei muito e recomendo.  

Um Castigo Exemplar

Autor: Júlia Pinheiro
Edição: 2015/ novembro
Páginas: 256
ISBN: 9789896265298
Editora: A Esfera dos Livros

Sinopse:
«Muito antes de amar o meu marido, odiei-o profundamente. Não tive alternativa, nem ninguém me ensinou outro caminho. Procurei conselho junto da minha família, entrei desesperada no confessionário para revelar a sombra que se apoderava do meu coração. Todos os esforços se revelaram em vão. Eu, como qualquer mulher do meu tempo e da minha classe, fui ensinada para fazer dos sentimentos a razão da minha existência. Não me posso sujeitar à indignidade do trabalho e não escondo que acho a caridade entediante. Só me restou o amor, o casamento e a maternidade. Como falhei estes desígnios, abracei o ódio com a ternura e o empenho com que qualquer marido gostaria de ter sido amado. Até o meu.»

Amélia Novaes não queria acreditar no que ouvia da boca do seu orgulhoso pai. Ela, uma jovem, tímida, sem berço, cortejada por Henrique Bettancourt Vasconcelos, jovem industrial de vinte e quatro anos, filho terceiro do visconde de Vila Fria! Só podia ser feio, ou ter algum defeito, senão porque é que a quereria a ela? A pergunta ressoava, sem piedade, na sua cabeça. Mas, para sua surpresa, Henrique era um homem bem aparentado e galante. E de pretendente passou a noivo e de noivo a marido. Amélia vivia um sonho. Mas o sonho estava prestes a transformar-se em pesadelo, no dia em que Henrique lhe anuncia, passando-lhe a mão pela cara, num gesto de carinho fugidio, que iria partir numa longa viagem pela Europa para dar asas aos seus negócios na indústria farmacêutica, cujo crescimento exponencial prometia riqueza e fama. Amélia ficaria em Portugal, como esposa exemplar que era, a aguardar o seu regresso. 
Depois do sucesso de "Não Sei Nada Sobre o Amor", Júlia Pinheiro regressa à escrita com "Castigo Exemplar", um romance passado nos finais do século XIX, entre Lisboa e o Porto, que retrata a vida de Amélia, uma mulher disposta a tudo, até mesmo a aplicar um castigo exemplar.

A minha opinião:
Este foi o primeiro romance que li na integra neste novo ano. E foi um começo auspicioso porque foi arrebatador desde as primeiras paginas. Tal qual eu gosto. 

Amélia, uma jovem burguesa conta a sua historia e enquanto lia sentia aquela personagem, e fiquei mais e mais interessada em conhecer e saber tudo sobre ela e sobre o desapaixonado e visionário marido nobre, Henrique de Vasconcelos. As peripécias e os atritos orientavam mais para a desgraça do que para o romance e com alguma emoção viajei na minha imaginação ao séc. XIX, onde passei mais tempo do que o designado `a leitura com esta mulher inteligente com falta de afecto que se transfigura quando se sente usada, porque para muitos o casamento era um contrato e o amor entre cônjuges uma fantasia da literatura. Por essa razão contactei uma boa amiga e afirmei peremptória - "Tens que ler este romance!". 

Escrita irrepreensível (para minha grande surpresa que reconheço a autora de outras lides) em contar uma historia com mestria, e onde os pormenores são apenas os necessários para explicar as circunstancias e conhecer as motivações e expectativas das personagens. Assim nada se perde nesta trama bem urdida que não se esquece facilmente ou não retratasse um Portugal de outro tempo. Mentalidade e usos e costumes em analise e algumas considerações curiosas e intemporais.

"A ociosidade nas mulheres é perigosa. Por isso, se inventaram os labores femininos, as artes domesticas complexas que nos ocupa as mãos e nos permitiu esvaziar a mente."               (pag. 225)

domingo, 10 de janeiro de 2016

Um Estranho no Coração

Autor: Eduardo Sá
Edição: 2015/ novembro
Páginas: 232
ISBN: 9789892333847
Editora: Lua de Papel

Sinopse:
Sentado num café, com o mar ao fundo, Gaspar sente a mão a tocar-lhe de leve no ombro, ouve a voz que não identifica e o chama. Vira-se para trás, leva algum tempo a reconhecê-la, assim tão pálida, escondida atrás dos óculos escuros. É a Luísa.

Viu-a pela última vez vai para 42 anos, toda uma vida. E agora ali está ela, à sua frente, a sentar-se à sua mesa, como se fosse ontem. E tira os óculos. E os olhos encontram-se, a unir pontas que um dia se partiram, num verão distante, naquela mesma Nazaré. 

O coração de Gaspar aperta-se. É um coração velho, que já não serve. Gastou-o numa vida sem amor. E agora espera por um novo, um transplante, um milagre que lhe prolongue o prazo de validade. Agora mais do que nunca. Porque ela está ali, trazendo consigo a promessa de um futuro que não sabe se tem. Ou se algum dia terá.

Romance de amor, de memórias, de reflexões, Um Estranho no Coração revela-nos uma faceta inesperada de Eduardo Sá. O contador de histórias continua presente, em cada página, em cada personagem. Mas desta vez usa como fio condutor uma única história, a de Gaspar; e nela projeta as suas (e as nossas) dúvidas, as decisões que tomamos, os desvios do caminho, as paragens sem porquê. E se nos oferece o balanço de uma vida vivida a medo, oferece-nos também uma ideia redentora: a segunda oportunidade, o eterno retorno.

A minha opinião:
Um observador da vida que ousa escrever um romance que inquieta porque fala ao coração dos muitos que não se lembram que o têm. 

Vários aspectos do real se cruzam nesta trama sempre focada na vida interior de um homem maduro que questiona toda a sua vida quando descobre que o seu coração pode falhar se não for substituído por um outro, de um estranho, numa fase da sua vida em que voltou a amar a única mulher que nunca deixou de amar. O bater do seu próprio coração lhe parece estranho.

Percebe-se obviamente a faceta de psiquiatra do autor com as muitas historias presentes na vida de Gaspar e os muitos considerandos que tece sobre si e sobre os que o rodeiam, numa tentativa de nos levar a refletir sobre questões que normalmente andam arredadas do nosso pensamento. 

Confuso consegue ser, como o pode ser um livro que procura explorar e expor sentimentos e emoções. Aprecio Eduardo Sá e não desiludiu. Contudo, não posso deixar de alertar que não se trata de uma leitura linear ou fluída. Um livro de esperança e consciência do bater do coração, antes que seja tarde demais.