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domingo, 29 de novembro de 2020

A aniversariante

 

A minha opinião:

UAU! Arrepiante e trepidante. Um horrendo crime de uma família em que apenas restou uma menina de cinco anos (a aniversariante) a saltitar no meio de um terível fedor.

A memória funciona de um modo estranho. E Ewert Greens regressa dezassete anos depois a esta investigação que não solucionou quando está à beira da reforma. E a trama que parecia seguir num  determinado sentido muda completamente com uma nova personagem enredada numa ameaçadora chantagem em que o passado turbulento voltou para o assombrar. Duas estórias paralelas. Ou talvez não, porque os dois protagonistas interagem e desta vez vão passar por algo que nunca tinham vivido antes, numa trama intrincada com o submundo do crime e a corrupção nas forças policiais para salvar uma familia numa corrida contra o tempo e revelar o que aconteceu aquela menina. Três dias de muito suspense e ação num thriller emocionalmente inteligente que não deixa pontas soltas. 

Fiquei fã deste autor que não conhecia.

Autor: Anders Roslund
Páginas: 456
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03383-3
Edição: 2020/ setembro

Sinopse: 
Atrás de uma porta fechada, há um bolo de aniversário com cinco velas. E uma criança num vestido vermelho que canta sem parar: Parabénsavocê, antecipando uma celebração... que nunca chegará a acontecer.

Passaram-se entretanto dezassete anos. O superintendente Ewert Grens, agora à beira da reforma, é chamado novamente ao local de um crime atroz que ainda lhe assombra os sonhos. No decurso desta nova investigação, Grens percebe que deixou escapar algo da primeira vez e suspeita de que alguém regressou com o objetivo de silenciar a única testemunha sobrevivente.
Enquanto isso, há quem tente por todos os meios recrutar os serviços pouco convencionais de Piet Hoffmann, ex-informador da polícia. No entanto, a recusa de Hoffmann em vestir de novo a pele de vilão coloca toda a sua família em grande perigo.

Tentando perceber quem está por detrás de um plano maquiavélico para literalmente fazer implodir o submundo do crime na Suécia, Hoffmann alia-se a Grens. Ao longo de três vertiginosos dias, os dois terão de salvar mais do que um inocente, numa corrida trepidante contra o tempo.

Bela

A minha opinião:
Belas palavras para um profundo sentir na vida ficcionada de Florbela Espanca. O desfecho trágico por ela escolhido é o início deste romance que, para uma leiga como eu, poderia ter sido escrito por ela em verso, tal o encantamento das palavras.

A comoção e a força pulsa das palavras que neste estranho retiro li. Uma mulher singular, ícone da literatura portuguesa. Uma história que sempre me atraiu e muito bem escrita por Ana Cristina Silva que parece ter captado o espírito da poetisa. Uma alma atormentada que procurava desesperadamente ser amada. Impossível ficar indiferente. 

"Fiz versos porque tinha a boca cheia com os gritos de uma criança que ninguém amou.
...
Esqueci em parte essas memórias de infância e ao mesmo tempo nunca saí delas." (pag.73)


Autor: Ana Cristina Silva
Páginas: 184
Editora: Bertrand
ISBN: 9789722540766
Edição: 2020/ outubro

Sinopse: 
A 8 de dezembro de 1930, Florbela Espanca tirou a própria vida. Era o dia do seu aniversário. Fazia 36 anos.
A vida de Florbela é um retrato de um espírito criativo, insatisfeito, complexo, com laivos de luz e sombra no Portugal na viragem do século XX.
Nesta biografia ficcionada, Ana Cristina Silva faz mais do que contar-nos a história de Florbela, abre-nos a porta para os seus sentimentos, pensamentos e paixões.

Florbela foi uma mulher não convencional, que ousou viver plenamente, ainda que muitas vezes tenha sido infeliz. Encontrou na poesia, desde tenra idade, a natural expressão das suas paixões, das suas mágoas, de um erotismo sublime e sempre, sempre da procura do Grande Amor. Recusou viver pela moral dos outros e teve a coragem de abrir o seu próprio caminho.

Um romance psicológico envolvente, arrebatado e original que narra as paixões, os desencontros, os reveses e a força criativa de uma poeta cuja vida terminou cedo demais mas cuja obra perdura.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Mulheres da minha alma

A minha opinião:
"Não exagero quando digo que sou feminista desde o jardim de infância, antes de o conceito se ter disseminado no Chile."

Assim começa este romance intimo e pessoal de Isabel Allende. Capítulos curtos numa história de vida guiada por um impulso incontrolável. Nunca aceitou o limitado papel feminino atribuído pela família, pela sociedade, pela cultura e pela religião. Mas… Não existe feminismo sem independência económica. 

Isabel Allende escreve muito bem ("pelo prazer de contar uma história palavra por palavra) e até uma lista de supermercado seria empolgante, mas neste tema que lhe é tão caro, supera-se.
A narrativa não é limitativa porque muito são os trechos de pequenos episódios, de pessoas que admira, informação relevante ou especulativa, a sua fundação e os seus ideais. E lança um repto. "Agora, é só uma questão de nos pormos de acordo para darmos um abanão formidável ao mundo."

Olga Murray também passou a ser a minha heroína. Que mulher extraordinária. E não foi a única. Nem um último capítulo sobre este estranho retiro que o Covid 19 nos impôs faltou. Muito bom. Fundamental ler!

Autor: Isabel Allende
Páginas: 208
Editora: Porto Editora 
ISBN: 978-972-0-03380-2
Edição: 2020/ novembro

Sinopse: 
«Cada ano vivido e cada ruga contam a minha história.»

Isabel Allende percorre os labirintos da memória e oferece-nos um emocionante testemunho sobre a sua relação com o feminismo e a sua condição de mulher.

Em Mulheres da minha alma, a autora chilena convida-nos a acompanhá-la nesta emocionante viagem, em que revisita a sua ligação ao feminismo, desde a infância até aos dias de hoje. Recorda algumas mulheres incontornáveis na sua vida: Panchita, Paula e a agente Carmen Balcells, cuja ausência chora ainda hoje; escritoras de nomeada como Margaret Atwood; jovens artistas que trazem na pele a rebeldia das novas gerações; mulheres anónimas que sofreram na pele a violência de género e, com dignidade e coragem, se levantam e avançam. Todas elas a inspiram e a acompanham ao longo da vida: as mulheres da sua alma.

Reflete, ainda, sobre as mais recentes lutas sociais, nomeadamente as revoltas no seu país de origem e, claro, sobre este novo contexto que o mundo atravessa com a pandemia. Tudo isto sem deixar de manifestar a sua inconfundível paixão pela vida e a sua crença em que, independentemente da idade, há sempre tempo para o amor.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Um Tempo a Fingir

A minha opinião:
Annina é uma judiazeca de uma beleza poderosa que cresceu num casebre acanhado e para quem o universo inteiro cabia num buraco como Pitiagliano em Itália.

A história desta soberba mulher é como um rio de águas furiosas a esfolar-se nos rochedos. 
Quem o conta é a própria mas conta com algumas interjeições do irmão Ulisses.

E depois, há o Peppino, o artista que tudo sabia sobre os escândalos e as tragédias. E o ataque.

Desengane-se quem espera mais um romance sobre a Segunda Guerra Mundial. A época é a mesma mas os acontecimentos demoram a ter impacto naquele lugar distante. A vida rege-se por outros monstros e Annina leva um tempo a fingir até executar a sua vingança. Um tempo a fingir de que Annina se valeu para sobreviver.

Esta é a história de Annina. Mais um romance de João Pinto Coelho que não se esquece.

Autor: João Pinto Coelho 
Páginas: 328
Editora: Dom Quixote
ISBN: 9789722071048
Edição: 2020/ outubro

Sinopse: 
Toscana, Itália, 1937. O burgo de Pitigliano assenta, como um ninho de águia, no cume de um rochedo; mas nem a cidade, de túneis e catacumbas, escavada nos seus alicerces consegue abafar os segredos à superfície. É no aperto das suas muralhas que Annina Bemporad, uma judia rebelde, se despede da infância quando acorda a meio da noite com o estampido de um tiro.

Se os estilhaços da tragédia acabam por atingi-la, será a partir de então que ambicionará os sonhos mais arrojados, seja na companhia de Cosimo - um rapaz disposto a dar a vida por ela -, de Alessia - a colega excêntrica que não parece encontrar um fato à sua medida, ou mesmo do enigmático Peppino, que monta espetáculos com o lixo que apanha nas ruas e a quem basta uma palavra para resgatar Annina aos seus momentos mais duros.

Mas, se a beleza da rapariga gera paixões doentias e ódios desmesurados, nada faria supor que pudessem resultar num ato tão tresloucado… Restam-lhe, pois, o desejo de vingança e a queda para o fingimento para sobreviver no mundo virado do avesso em que se transformou a Itália de Mussolini, onde as Leis Raciais, que têm por alvo os judeus, anunciam a chegada dos nazis.

Profundamente imaginativo e rigorosamente documentado, Um Tempo a Fingir é um romance magistral onde desfilam personagens memoráveis e cujo enredo tem a rara qualidade de ser ao mesmo tempo absolutamente inesperado e completamente verosímil. 

domingo, 8 de novembro de 2020

E se o Natal, este ano, for em Novembro?

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Uma Paixão Simples

A minha opinião:
Um pequeno livro. Uma simples paixão. Pessoal. Intemporal porque os sentimentos assim o são. E universais.

Ao contrário do que eu imaginava, a escrita não é maçadora mas fluída e rica. É impossível não perceber o estado de paixão cega desta mulher. Profundamente honesto e solitário também. Desamparo e êxtase.

O tempo de escrita não tem nada que ver com o da paixão. A narrativa é uma partilha intima de um tempo fora do tempo em que não é ele ou ela mas o sentimento. Uma dádiva invertida. Uma dádiva para o leitor que comunga deste sentir.

Autor: Annie Ernaux
Páginas: 72
Editora:Porto Editora
ISBN: 978-989-711-080-1
Edição: 2020/ outubro

Sinopse: 
De um lado, uma mulher culta, independente, divorciada e já com filhos adultos. Do outro, um homem casado, estrangeiro, mais jovem, por quem ela perde completamente a cabeça. E por quem espera, dia após dia. Se o tema parece trivial, não o é, de todo, o modo como os dois anos que dura esta «paixão simples» são contados: no seu estilo frontal, acutilante, despido de vergonhas e julgamentos, Annie Ernaux desfoca a linha ténue entre ficção e autobiografia e põe na voz da narradora as confidências da história de uma relação que toma conta de tudo, que extasia e rebaixa, fonte da maior felicidade e da mais dolorosa solidão. Viver algo assim será, talvez, o maior privilégio da existência. Lançado em 1991, Uma Paixão Simples surpreendeu o panorama literário francês, quebrando os estereótipos do romance sentimental pelo seu erotismo e pela sua honestidade. Em 2020, é adaptado ao cinema por Danielle Arbid. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O Último Voo

A minha opinião:
Duas mulheres em fuga que se cruzam no aeroporto e trocam de bilhetes e de identidades. Não é algo que tenha sido planeado, pelo menos por uma delas. Os planos de Claire passavam por fugir de um marido poderoso e violento. Clichê. Seria, se fosse restrito à ficção e não existissem gaiolas de ouro que iludidos cobiçam.

Alternadamente, ficamos a conhecer estas duas mulheres e as circunstâncias que as levaram até aquele ponto em que tinham que desaparecer e quando dei conta estava a meio do livro, arrebatada pela sua argúcia e inteligência e em suspense com o muito que tinham que superar.

Bem engendrada e bem contada esta história que li compulsivamente porque adorei estas duas mulheres. A violência doméstica e a falta de amor. O medo que quase as dobrou mas as levou a resistir. E o fim, que não foi o que eu desejava mas foi coerente com uma narrativa em que não antecipei as peripécias.  
Um bom thriller!

Autor: Julie Clark 
Páginas: 304
Editora: Marcador
ISBN: 9789897544576
Edição: 2020/ outubro

Sinopse: 
Claire Cook tem uma vida perfeita. É casada com o herdeiro de uma dinastia política, tem uma casa em Manhattan e dez empregados. O ambiente em que vive é elegante, os seus dias são perfeitamente coreografados e o seu futuro é auspicioso. Mas, à porta fechada, nada é o que parece. Esse marido perfeito tem um temperamento tão fulgurante como a sua promissora carreira política, e usa a sua equipa para seguir todos os passos de Claire, certificando-se de que ela cumpre as suas exigências impossíveis. Mas o que ele não sabe é que Claire preparou durante meses um plano para desaparecer.

Um encontro casual num bar do aeroporto fá-la conhecer uma mulher cujas circunstâncias parecem igualmente terríveis. Juntas, tomam uma decisão de última hora: trocam os bilhetes. Claire apanha o voo de Eva para Oakland e Eva apanha o de Claire para Porto Rico. Acreditam que a troca lhes dará a oportunidade de que precisam para recomeçar a vida num lugar distante. Mas o inesperado acontece…

O Último Voo é a história de duas mulheres - ambas sozinhas, com medo - e de uma decisão angustiante que mudará a trajetória das suas vidas.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Memória de uma cor

A minha opinião:
Começa por ser uma leitura fácil sobre duas pessoas no primeiro ano da faculdade que, inesperadamente ficam amigos, sem muito se exporem. A presença basta-lhes. Simples assim. Ou talvez não?!

O envolvimento de Kate com a família rica e privilegiada de Max vai ter consequências porque o desequilíbrio e a  obsessão ronda um dos membros e a partir desse ponto a trama ganha interesse. O rumo que seguiu não foi o que eu esperava e as psicoses e fragilidades que se revelam não foram inteiramente do meu agrado. Gosto de ler sobre personagens mais fortes e resilientes, apesar do sofrimento. Esta é uma história muito emocional. A depressão, a ansiedade, crises de pânico ou infelicidade que gera sofrimento físico, a violência sexual e a depressão. Temas bem atuais, infelizmente.

Próximo do fim percebi que a autora queria explorar o efeito do trauma, como que para purgar uma ferida, através de Zara e Kate. A mensagem passa mas é um tanto extensa e detalhada. No geral, é um romance marcado por uma cor, e os restantes tons são bastantes sombrios.

Autor: Rosie Price 
Páginas: 304
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03392-5
Edição: 2020/ outubro

Sinopse: 
Primeira semana de universidade. Max Rippon irrompe pelo quarto de Kate Quaile e a vida dela nunca mais será a mesma. Nos quatro anos seguintes, os dois tornam-se amigos inseparáveis. A influência da rapariga é essencial para atenuar os modos estouvados e a atitude demasiado despreocupada dele, e Max ajuda Kate a vencer a sua timidez natural e o isolamento a que ela voluntariamente se submete. Porém, conhecê-lo é também entrar na esfera de influência dos Rippon, uma família onde a generosidade e o elitismo, o à-vontade social e os ressentimentos privados andam de mãos dadas. A existência de Kate ganha um brilho dourado até ao dia em que uma festa de aniversário se transforma num acontecimento chocante, destruindo-a.
Memória de uma cor é um romance perspicaz e fascinante sobre poder, privilégio e consentimento, que explora os efeitos físicos e psicológicos do trauma, os sacrifícios exigidos no silêncio e a coragem necessária para falar abertamente sobre uma violação. No entanto, quando Kate finalmente consegue fazê-lo, há uma pergunta que se impõe: a quem pertence agora a sua história?