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quinta-feira, 18 de maio de 2023

Amor Estragado

 

A minha opinião:

O primeiro parágrafo deste livro é impactante. E o Manel fica apresentado na bem desenvolvida trama. A perspectiva de um homem com um vício que constrange, intimida e mata. Um homem como outros que infelizmente fazem notícia e que Ana Bárbara Pedrosa convence numa escrita coloquial, simples e muito direta. Ultrajante personagem.
O Zé é a outra personagem. O que se foca nos seus problemas e desvia o olhar porque não se quer envolver. O típico que quase nega a violência doméstica que sabe que existe. Apática personagem. 

Perturbador romance que vícia, mesmo quando a tragédia abre a narrativa procuramos saber o contexto. E o desfecho naquela destroçada familia. Doloroso. Cruel. Avassalador. 

Admiro a capacidade da autora em escrever um romance com esta intensidade que certamente exigiu muito dela. Importa ler.

Autor: Ana Bárbara Pedrosa
Páginas: 208
Editora: Bertrand
ISBN: 9789722545310
Edição: maio/2023

Sinopse:
Dois irmãos contam a dissolução de uma família. Manel casou com Ema, e foi até que a morte os separasse como enfim os separou - pelas mãos dele. Habituado ao álcool e incapaz de lidar com as frustrações, não era a ele que mãe e irmãos deviam o amor sem reservas? Zé, casado, agora com três filhos, não vê no sangue uma desculpa para a vida do irmão. Pela mão da violência, que é pedra de toque, assistimos a uma família cujos laços se desfazem. E à vida transformada noutra coisa.

Com uma linguagem crua e destemida, que não raras vezes desarma o leitor, Amor Estragado é um romance sobre a família enquanto território a proteger, a traição da vida adulta face às certezas da infância, a inveja, o desgosto, a degradação que o vício impõe e o que custa perder um lugar de honra. E inevitavelmente sobre a culpa - do homem que mata e de quem não o impede.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Os segredos de Juvenal Papisco

 

A minha opinião:

O que me atrai para certos romances difere mas o que me faz ficar tem de cativar. A linguagem e a escrita na narrativa de Bruno Paixão encantam. Requintada e ritmada dá uma vontade danada de ler em voz alta enquanto caracteriza personagens, descreve ou desenvolve a estória. O padre Juvenal é a enigmática personagem central mas tantos outros importa como a Xêpa Alma ou Nabôr Cuenca. O jornal A Trama que à luz da chama se lia lança rumores que o Judas partilha e afeta a vida em Orão. As peripécias e aventuras rocambolescas sucedem-se e são muitas, em que não falta engenho e astúcia. E tanto está em causa, como corrupção ou exploração dos menos favorecidos. Um romance apaixonante que não cessa de surprender. Adorei.

Autor: Bruno Paixão
Páginas: 272
Editora: Porto Editora
ISBN: 978-972-0-03610-0
Edição: fevereiro/2023

Sinopse:
Orão é um lugar de sangue quente, cheio de superstições, habitado por personagens memoráveis como a benzedeira Xêpa Alma, o corrupto alcaide Heitor Raimundo ou o diligente boticário Zaqueu Soeiro. Destaca-se, entre eles, Juvenal Papisco, um padre de temperamento espontâneo e cru que sucumbe sem pudor aos prazeres e às imperfeições e que não suporta as injustiças que se perpetuam em Orão, avivadas pelo predomínio dos senhores de sempre.
Quando o jornal clandestino A Trama acusa Ismael Macho de andar metido com a mulher de outro, todos temem uma desgraça, e Ismael acaba mesmo por morrer durante a procissão da Virgem Santíssima, em circunstâncias estranhas. Todos as suspeitas recaem sobre o marido enganado, mas este nem à força de porrada admite a autoria do crime, para desespero do coronel Moniz.
Os segredos de Juvenal Papisco é um romance de estreia memorável, que com uma fina ironia e um apurado sentido caricatural se apresenta como uma metáfora social, expondo a traição, a urdidura política, as fraquezas da justiça, o espaço conjugal como campo de sonhos e de utopias e as mezinhas respondendo ao que a medicina não pode.

Uma Mulher com Cancro, um Psicólogo e uma Virgem Entram num Death Café

 

A minha opinião:

Este título longo chana a atenção mas a sinopse e o primeiro capítulo consolida a decisão de o ler o quanto antes. Introspectivo, lúcido e crítico, sem desprezar o humor. Gosto de livros assim, que nos abanam e fazem avançar e recuar porque as palavras fazem eco e queremos validar o que se lê. Lara era uma mulher incrível e escrevo era porque como sabemos logo já faleceu. Se esperam um livro lúgubre ou deprimente, não é isso que vão encontrar. Sequer seria isso que eu iria ler. 

Não é uma história corrida e foi isso que me fascinou. Cada capítulo é um episódio da sua vida desde a infância com o que a marcou. Adoraria ter conhecido a Lara mas o mais importante é que concordo com a Dulce Maria Cardoso. Que enorme escritora perdemos. Sei o que o título e a expectativa que se pode ter deste livro pode ser dissuasor mas nem sabem o que perdem porque esta era uma mulher real que vale a pena ler.

Autor: Lara Vaz Pato
Páginas: 232
Editora: Quetzal Editores
ISBN: 9789897228605
Edição: abril/2023

Sinopse:
«"Gostariam de saber a data da vossa morte? Fazia diferença se tivessem mais um ou mais cinquenta anos de vida?"
Ah, finalmente, uma pergunta em que o cancro me dava uma vantagem sobre os outros.»

O inesperado diagnóstico de cancro do pulmão, aos trinta e um anos, durante a pandemia e numa idade em que os seus pares começam famílias e compram casa, obrigou Lara da Rocha Vaz Pato a confrontar-se com as reações de amigos e família, com a perda de cabelo, os tratamentos ou o apoio psicológico e, acima de tudo, com o medo da morte. Pelo meio, fala da pressão de estudar em Portugal durante a crise dos anos 2000, sobre viver no estrangeiro e sobre as exigências que sentiu no mercado tecnológico como jovem adulta. Com a chegada da doença, as suas histórias e recordações falam de ser feliz e de ver o lado belo da vida, mesmo no meio de tanta má fortuna. Os temas pesados e desconfortáveis não se evitam, mas tornam-se mais fáceis de digerir pela verdade do tom e pelo humor. Um livro que não se esquece.

Desassombrada, Lara mostra-nos como lidou com os altos e baixos que a vida lhe trouxe, desde pequenos episódios da sua intimidade a temas como o cancro e a morte, a competição entre mulheres no trabalho, as relações amorosas ou as recordações da infância e da família.

Um Muro e Uma Cerca

 

A minha opinião:

Uma boa amiga e dona do livro sugeriu que o lesse porque corresponde ao que gostamos de ler. Um idoso solitário e uma criança negligenciada são vizinhos e alternadamente contam a sua estória numa escorreita narrativa muito fácil de ler. A contemporiedade não nos deixa indiferentes. Um grito de alerta em que a falta de apoio e afeto são destrutivos.

Elias. Não é um nome vulgar mas antigo. Era o nome do meu pai, o que não deixa de me comover. A ligação que o Santiago cria com o Elias também nos comove. O desamparo que os liga. Um romance para nos abrir os olhos para o muro e a cerca que nos separa dos outros mas que a eles os juntou. Os estranhos que também podem salvar vidas. Uma estória simples que é uma lição de vida. 

Autor: Elisabete Martins de Oliveira
Páginas: 264
Editora: Cultura Editora
ISBN: 9789898860774
Edição: abril/2023

Sinopse:
Pequenos gestos podem mudar o rumo de uma vida.
Elias vive sozinho numa casa demasiado grande, já sem os três filhos, que emigraram, e sem a mulher, que morreu. Quando uma família se muda para a moradia ao lado — entre as muitas que de repente chegaram à Margem Sul do Tejo, desafiando-lhe o sossego —, desenvolve antipatia e desconfiança para com os vizinhos.

Do outro lado, contudo, um rapaz negligenciado pelos pais e pela avidez da vida moderna vai-se aproximando, curioso, apesar das barreiras erguidas por Elias. Com Santiago a começar de forma turbulenta o quinto ano na escola nova, o menino procura consolo e atenção junto do vizinho.

A sintonia entre Elias e Santiago cresce, mas uma notícia perturbadora vem ameaçar-lhes a amizade e trazer ao de cima as vidas difíceis que levam, e os segredos que escondem um do outro.

Todos os Amanhãs

 

A minha opinião:

Um livro com uma capa garrida sugere um romance leve e divertido mas nem sempre assim o é. Por vezes, o conteúdo não coincide e induz o distraído leitor que não leu a sinopse em erro como é o caso. A estória começa com uma enlutada a arrendar uma casa isolada e distante que estava vaga há três anos para ficar em silêncio só com a sua dor. Uma dor que nos é explicada. Um calendário com notas da antiga proprietária prende a sua atenção e assim Amande inicia um delicado processo de superação no contacto com a natureza. Lindo!

Uma estória terna e bem contada com personagens que nos tocam o coração. 

Autor: Mélissa da Costa
Páginas: 296
Editora: Suma de Letras
ISBN: 9789897849558
Edição: abril/2023

Sinopse:
É num verão brilhante e insuportável que a jovem Amande Luzin entra pela primeira vez na casa que arrendou na zona rural francesa de Auvergne. Para a acolher, encontra janelas fechadas, escuridão e silêncio: um refúgio.

É ali, longe de todos, que decide esconder-se para viver o seu luto. Amande nunca abre as portadas e raramente sai à rua, evitando a interferência da luz na sua vida. Até que, um dia, encontra os diários e calendários da antiga proprietária, a senhora Hugues. Numa caligrafia redonda e elegante, há instruções detalhadas para os cuidados do jardim e para a confeção de receitas, uma espécie de almanaque caseiro.

Amande é uma mulher da cidade que nunca usou galochas nem utensílios de jardinagem. No entanto, apesar da dor que a corrói, decide seguir as instruções da senhora Hugues e recuperar o jardim abandonado, um espaço que parece mágico. A cada semente, encontra um rebento: no pântano da sua dor, cada amanhã traz uma pequena e perfumada promessa de futuro.

A neta

 

A minha opinião:

Um bom começo que agarre o leitor é sempre o objetivo de um escritor. Bernhard Schlink não o desmereceu neste romance. Austero e lírico, não se detêm em contemplações. 

"Mergulhado no luto, que o fazia sentir falta de Birgit sempre e em todo o lado, como se sempre e em todo o lado ela tivesse estado à sua volta, ao seu lado, esquecera-se do quanto ela, no fundo, tinha estado ausente."

Birgit não sabia o que a ocultação podia fazer a longo prazo e o seu texto revela o que Kaspar nunca soube. E nesta viagem ao passado o leitor percebe o quão pouco sabia sobre a História da Alemanha. O modo de vida no Leste e a repercursão com a queda do muro. A adaptação e a integração em duas perspectivas. Um romance que se lê devagar, não porque não seja compulsivo mas porque se adia o fim.

Como a musica de Bach (referida) contêm tudo, o leve e o pesado, o belo e o triste e os consegue reconciliar. Posições politicas divergentes entre o Kaspar de 71 anos e Sigrun de 14. Cada um ouve de acordo com a sua sensibilidade e é bom perceber o que faz. Como a literatura. Extraordinária relação entre estas duas personagens. Não apenas aprendem um com o outro como muda o leitor.

Autor: Bernhard Schlink
Páginas: 320
Editora: Edições Asa
ISBN: 9789892357515
Edição: abril/2023

Sinopse:
Maio de 1964. Num encontro de jovens das duas Alemanhas, Kaspar e Birgit apaixonam-se. Vivem-se dias radiosos de primavera e naquele momento tudo parece possível. As barreiras que dividem Berlim, porém, são inultrapassáveis e Birgit tem de abandonar tudo e fugir para o Ocidente para viver a sua história de amor. O preço que paga pela fuga só será conhecido décadas depois, após a sua morte, quando Kaspar encontra os seus escritos autobiográficos.

Kaspar decide então procurar respostas para o enigma em que se transformou a mulher que pensava conhecer melhor do que ninguém. Essa busca vai levá-lo a uma comunidade rural de neonazis. Numa casa que ostenta o retrato de Rudolf Hess na parede, Kaspar depara-se com Svenja, a filha que Birgit deixou para trás. Ao lado dela está uma rapariga ruiva com cerca de quinze anos. A neta?

Neste seu novo romance, Bernhard Schlink, escritor-filósofo e nome maior da literatura alemã contemporânea, regressa aos temas fundamentais da sua obra: amor, obsessão, traição, ética e dilemas morais. A Neta explora os paradoxos do amor e o enigma do tempo, e oferece-nos mais um grande romance sobre a Alemanha.